Os bens comuns, modelo de gestão dos recursos naturais

A questão da sobrecapacidade e dos direitos de pesca

Resposta ao Livro Verde das Pescas da Comissão Europeia

, por Pêche et Développement , LE SANN Alain

Pra remediar os problemas da pesca excessiva e da gestão dos recursos haliêuticos, a Comissão Europeia pretende conduzir uma política de “modernização” do sector baseada na privatização do recursos, às expensas dos pescadores artesanais e de seus direitos coletivos.

O problema da sobrecapacidade é considerado pela Comunidade Europeia como a chave das respostas para a crise da pesca. Esta propõe que ele seja remediado com a criação de um sistema liberal de CIT (cotas individuais transferíveis).

Uma abordagem nesses moldes tende a parecer surrealista em portos já esvaziados ou que veem esta perspectiva se aproximar com modelos e barcos que estão envelhecendo (por exemplo, a ilha de Houat, no departamento francês de Morbihan, que tinha mais de 45 barcos há 20 anos, hoje, tem 16 e talvez tenha menos de cinco daqui a 5 anos).

Essa abordagem traz a questão central que a Comissão e a quase totalidade dos decisores se recusam a tratar, a dos direitos dos pescadores como trabalhadores e usuários dos territórios de pesca – esse termo nos parece preferível ao de “zona de pesca”, pois ele indica uma verdadeira apropriação por parte dos pescadores que, hoje, não mais dispõem da possibilidade de ter acesso a outras zonas.

O fundamento teórico da abordagem da Comissão e da maioria dos cientistas é a “tragédia dos comuns” exposta por Hardin. Ele considera que o problema da pesca excessiva e do superinvestimento na corrida ao peixe reside na ausência de apropriação privada dos direitos de acesso ao recurso. Foi justamente essa análise que serviu para justificar a apropriação dos terrenos comunais pelos grandes proprietários de terras entre os séculos XV e XVIII com os cercamentos. Essa gigantesca expropriação levou à expulsão de milhares de camponeses sem quaisquer direitos.

Hoje, estamos assistindo a um fenômeno do mesmo tipo no mar, com a benção das autoridades públicas. Poderosos interesses no setor industrial da pesca, mas também em muitos outros setores (energia eólica, extrações, petróleo, aquacultura, navegação de lazer, conservação ambiental etc.) apropriam-se do mar hoje por razões que não têm nenhuma relação com a pesca e julgam a contribuição econômica de sua atividade superior à da simples coleta de peixes.

Ideologicamente, o terreno está bem preparado para excluir o máximo de pescadores de sua atividade sem nenhum reconhecimento de seus direitos. A pesca é apresentada como uma atividade destruidora destinada a ser substituída pela aquacultura. Juridicamente, cria-se um direito ambiental marinho muito constrangedor, desde o plano internacional até o plano local. Esse direito ambiental é imposto aos pescadores sem discussão; eles não participaram de sua elaboração e não têm, por sua vez, nenhum reconhecimento jurídico de seus direitos coletivos de uso sobre os territórios e recursos que eles exploram e, muitas vezes, administram há décadas, senão há séculos (através das prud’homies, associações locais de pesca existentes na França).

Os partidários da “tragédia dos comuns” negam a capacidade dos pescadores de administrar territórios e recursos comuns sobre os quais lhes são reconhecidos direitos coletivos. Para eles, somente a individualização e a mercantilização dos direitos constituem meios de pôr fim à má gestão e à exploração excessiva. No entanto, existem múltiplos exemplos de gestão comum de recursos comuns, em particular na faixa litorânea, com controle do acesso, quando os pescadores dispõem da autonomia e dos meios para assegurá-la. Hoje, mesmo esses exemplos de boa gestão coletiva estão sendo ameaçados pelos novos investidores da fronteira marítima, uma vez que a atividade dos pescadores não goza de nenhuma proteção jurídica (cf. as usinas eólicas no meio das jazidas de conchas de Saint Jacques).

Para nós, existe, portanto, uma fase prévia a toda e qualquer reforma da PCP (Política Comum das Pescas), é o reconhecimento jurídico dos direitos coletivos de uso dos pescadores, o reconhecimento da prioridade dada às funções de produção alimentar do mar. Esses direitos implicam, em contrapartida, deveres e responsabilidades, de boa gestão, de preservação da qualidade do meio ambiente, de transparência e de equidade. É sobre essa base que pode ser conduzida a negociação sobre o desenvolvimento de novas funções ou atividades ou o recurso a restrições. As zonas envolvidas são, claro, a faixa litorânea, mas também todos os territórios da ZEE (Zona Econômica Exclusiva) onde existam atividades pesqueiras, ainda que devam ser feitas diferenciações em função dos tipos de pesca, atentando-se, particularmente, para a preservação das atividades litorâneas.

Quanto à sobrecapacidade, se ela constituiu uma realidade evidente no passado, é preciso também medir também seus diferentes aspectos, a evolução por área pesqueira e por zona, por tipo de pesca, considerando-se as perspectivas futuras. Para a Comissão, tudo isso existe em quantidade suficiente. Para nós, não existem marinheiros-pescadores suficientes, pelo contrário, o risco maior é que eles venham a faltar num futuro próximo, se este já não for o caso. Seja lá como for, a quantidade de pescadores jovens é insuficiente, e vários países já estão recorrendo maciçamente a imigrantes dos países do Sul, às vezes, em condições escandalosas. Portanto, é preciso, prioritariamente, preservar os empregos, se necessário, através da reorganização entre as áreas pesqueiras, pois é bem mais difícil reconstituir comunidades de pescadores ativas e capazes de transmitir habilidades do que reconstituir estoques de peixes.

A sobrecapacidade constitui uma realidade, mas há que distinguir áreas pesqueiras, preservar a pesca artesanal em sua diversidade e, particularmente, a pesca pequena, cujo impacto sobre os recursos é fraco e que apresenta uma boa oportunidade de emprego. É preciso levar em consideração também a redução importante já ocorrida no início dos anos 1990, bem como aquela que está ocorrendo no âmbito do Plano de Saída da frota atual, cuja medida ainda não aparecer nos dados estatísticos. Muitos portos já viram desaparecer a maioria de sua frota, senão a totalidade. É verdade que o esforço de pesca e sua eficácia não foram reduzidos na mesma medida.

Mas, na maioria dos casos, a continuação programada da destruição dos barcos aparece como uma vontade de pôr fim a toda e qualquer atividade pesqueira, e ela é interpretada desse modo pelos pescadores, que estão perdendo a confiança no futuro. Enquanto a frota foi reduzida a menos de 50 % de seu nível anterior, cientistas, ONG ambientalistas e a Comissão falam em dar prosseguimento à redução em 40 %, 50 % e até mesmo dois terços!

Diante de tais perspectivas, é impossível manter o futuro das comunidades e a renovação dos barcos e dos pescadores. O controle do esforço de pesca deve passar, portanto, por outras medidas: repousos biológicos, fechamentos temporários, medidas técnicas etc., que já vêm sendo propostas pelos pescadores há muito tempo. Também é preciso passar de um sistema baseado no descarte dos barcos à transmissão dos barcos antigos de qualidade para os jovens e, sobretudo, trabalhar na aceleração de novas construções adaptadas às novas realidades e metas, dando prioridade à pesca artesanal em sua diversidade, em função dos territórios de pesca. No que se refere ao ritmo das reformas, há que se considerar o fato de a pesca e sua gestão serem, antes de tudo, um assunto de homens e de mulheres e não uma questão de peixes.

O grande filósofo e inspirador de uma ecologia humanista, Jacques Ellul, escrevia em 1980: “As coisas, o vivo, o humano são feitos pelas escolhas aleatórias dos próprios interessados, por decisões sucessivas que vêm dos interessados, que parecem tomar caminhos singulares, mas a lentidão é necessária ao amadurecimento. E tudo isso deve ser inventado em função das circunstâncias, sem outras ideias preconcebidas senão aquelas que vêm de experiências passadas com as quais se aprendeu”.
Meditemos sobre isso.