A nossa experiência dentro do conjunto de favelas do Alemão nos mostra os benefícios que o trabalho com meio ambiente e reciclagem de resíduos pode trazer para a população em termos de qualidade de vida. Pode trazer também oportunidades para aquelas pessoas que têm dificuldade de ingressar novamente na sociedade, que estão reconquistando a sua cidadania e o mercado de trabalho. Isso para nós deveria ser o apelo principal de um evento como a Rio+20: a fusão da justiça social com a ambiental. Ou seja, priorizar não só a preservação do ambiente, mas a transformação das vidas e a possibilidade de geração de trabalho e renda.
Para que isso ocorra, o grande lance é que não deixemos o mercado se apropriar de tudo. São necessários investimentos, por exemplo, nas cooperativas locais, para que elas possam assumir um papel central na articulação dentro da própria comunidade.
Tomemos o caso do conjunto de favelas da Maré. Só com os resíduos da Maré seria possível criar uma cooperativa que desse conta do recado, gerasse uma boa remuneração. O excedente ainda serviria para a criação de uma cooperativa escola, uma cooperativa de saúde, entre outras.
O trabalho de reciclagem pode gerar renda e também diminuir o lixo que polui a comunidade. O lixo se acumula não porque as pessoas sujam, mas porque o Estado tem muita dificuldade de remover esse material. Percebemos esse era um caminho para nós, que, ao sairmos do sistema prisional, somos tratados como um monte de lixo.
Hoje, as nossas ações estão voltadas para os egressos, seus familiares e para seus filhos. Atuamos ainda em escolas oferecendo palestras sobre meio ambiente, droga e criminalidade. A nossa proposta é trazer essas discussões para o meio da comunidade. Focar apenas no egresso não dava conta do nosso principal objetivo, que é chamar a atenção dos jovens para que eles não venham a traçar o mesmo caminho.
Dentro do Alemão são mais de dez toneladas de lixo diário. Se conseguirmos tirar disso três toneladas de material reciclável por dia, dependendo do tipo de material, podemos gerar 60 postos de trabalho. Além disso, nós sabemos que o lixo tem várias consequências relacionadas à saúde e à presença de insetos e roedores. Ou seja, estamos falando de uma matéria-prima que não requer investimento, pode gerar renda e benefícios diretos para toda a comunidade. Por que não investir nisso, então?
Essa não é uma resposta simples, mas o que podemos afirmar é que não há interesse na reciclagem dos resíduos produzidos ali. Primeiro, para seguir estimulando o consumo, mas principalmente porque as empresas que operam na limpeza daquele local ganham por tonelada. Esse é um dos grandes problemas quando discutimos o lixo: o lucro.
Ainda que a coleta seletiva não interesse às companhias de limpeza, ela vai acabar acontecendo por conta da pressão da sociedade. E uma vez que vai acontecer, o que o mercado quer é que isso não aconteça por meio do trabalho de cooperativas e movimentos sociais.
Se assistirmos a isso e não fizermos nada, estaremos perdendo uma grande possibilidade, que envolve não só jovens e egressos, mas as populações das comunidades excluídas desta cidade. É contra isso que estamos nos articulando.
Nem todo jovem vai virar bandido, mas se a gente não permitir que ele tenha acesso a outras informações, cultura, arte, educação, e garantir os direitos que ele têm, a possibilidade de ele se tornar presa fácil de outros atrativos cresce muito. Pensar meio ambiente, favela e juventude a partir de uma perspectiva integrada pode não só tornar as comunidades mais limpas e gerar renda, como transformar também esse cenário que não é bom para ninguém, principalmente para a juventude.
Robson Borges e Edio Araújo, da Cooperativa de Reciclagem Eu Quero Liberdade