A Françáfrica tem 50 anos

, por MBAYE Sanou

Esse texto foi publicado em francês no site Pambazuka e foi traduzido por Mariana Arroteia, tradutora voluntária do site rinoceros.

Este mês os países africanos francófonos vão celebrar o 50º aniversário da sua independência e dos laços que eles mantêm com a França. Terão eles apenas boas razões para o fazer, questiona-se Sanou Mbaye* ?

Muito antes do seu início de funções, em 1958, o Presidente francês Charles de Gaulle tinha previsto, desde a Segunda Guerra Mundial, que uma vaga de nacionalismo revolucionário iria deflagrar em África, na Ásia, na América Latina e no Médio Oriente. Enquanto presidente, ele procurou impedir este “tsunami” propondo, aos líderes das colônias africanas francesas, a negociação de um acordo de independência.

Para tal, os dirigentes deveriam aceitar um conjunto de medidas e cumprir certas regras, entre as quais: permitir a permanência das tropas francesas no seu território; fornecer à França um bom estoque de matérias-primas cujos preços eram fixados previamente; ter a seu encargo todas as dívidas contraídas pela França neste contexto durante o período colonial; manter o Franco CFA como moeda comum de troca; acordar um direito de veto ao Tesouro Francês, em relação à gestão de dois bancos centrais sub-regionais (o BCEAO e o BEAC). De Gaulle conseguiu obter quase tudo o que queria e chegou-se, então, a um acordo de independência.

Desde então, a África francófona não tem parado de pagar os custos da sua independência. As tropas francesas não pararam de intervir no Chade, no Gabão, no Zaire (actual República Democrática do Congo), na República Centro-Africana, no Togo e na Costa do Marfim, para supervisionar ou proteger os líderes complacentes, corruptos e incompetentes, deslocar os rebeldes e acalmar a agitação civil. No Ruanda, a França é apontada a dedo quanto ao papel que ela desempenhou no genocídio de 1994.

No plano monetário, os países membros da Zona Franco CFA desmantelaram uma estrutura federal que os unia sob a ocupação francesa, para erguer as barreiras comerciais. Os dois francos CFA emitidos pelos dois bancos centrais sub-regionais não são negociáveis entre si, o que impede o crescimento do comércio regional e a integração econômica.

O franco CFA estava relacionado com o franco francês a uma paridade fixa, artificialmente sobre valorizada. Como a maior parte das exportações dos países da zona Franco eram numeradas em dólares americanos e a maior parte de suas importações em franco francês, as economias dos países desta zona Franco foram sujeitas a défices estruturais crônicos. Estes problemas foram agravados durante o mandato do presidente François Mitterrand, no qual o Primeiro-Ministro Pierre Bérégovoy prosseguiu uma política que levou, em 1994, a uma desvalorização massiva de 100 % do franco CFA. O euro substituiu, então, o franco francês, em 2002. A moeda europeia não parou de se valorizar contra o dólar, mas esta situação invertiu-se recentemente, o que irá conduzir à repetição do cenário do Franco forte. A sombra de uma segunda desvalorização ganha mais força, cada dia que passa.

Ainda mais terrível é o facto de a França ter, inicialmente, assumido garantia contra a conversão livre do franco CFA em moedas estrangeiras, na condição dos quinze países da Zona Franco depositarem 100% das suas reservas estrangeiras numa conta especial do Tesouro francês. Estes montantes, deduzidos directamente de suas receitas de exportação foram, de seguida, reduzidos a 65% e depois a 50%, em 2005. Contudo, a taxa de cobertura da emissão monetária fixada em 20% segundo a convenção de 1962 é, agora, superior a 110%. Um regime de contrôle de trocas, instituído em 1993, limita o fluxo livre dos capitais apenas à França. A fuga massiva dos capitais que se gerou, tornou as economias dos países da Zona Franco fracas e não competitivas.

É um facto lamentável, pois a situação econômica dos outros países da África melhorou ao longo destes últimos anos – sobretudo na África oriental e meridional, onde a integração econômica se faz através do Mercado comum da África oriental e austral (COMESA) e a Comunidade para o Desenvolvimento da África austral (SADC).
Infelizmente, na parte ocidental do continente, a Comunidade Econômica dos Estados da África Oeste (CEDEAO), não se pode orgulhar de um cenário idêntico. Considerada pela França como um caso de obediência anglófona, ela não cessou de ser alvo de concorrência desde o seu estabelecimento pela União Econômica e Monetária Oeste-Africana (UEMOA) e pela Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC) - duas organizações criadas pelos países da Zona Franco com o objectivo de conter a influência britânica, americana e nigeriana. Por consequência, os países membros da CEDEAO praticamente não participam no renascimento actual da África – e a perspectiva de um período de estagnação prolongada da Zona Euro não vai, certamente, ajudar.

A relação desequilibrada entre a França e as suas antigas colônias africanas não é compreensível até se analisar o estado mental e psicológico dos chamados “pais das independências”, de há cinquenta anos atrás. Léopold Sédar Senghor, o primeiro Presidente do Senegal estava, por exemplo, tão convencido da supremacia dos brancos que escreveu esta famosa frase : « A emoção é negra, como a razão é helénica”. Léon Mba, o primeiro Presidente do Gabão, era de tal modo francófilo que doou a sua fortuna pessoal à França, para financiar a construção de um hospital, em Paris. De igual modo, o fundador da Costa do Marfim moderna, Félix Houphouët-Boigny, criou a palavra « Françáfrica”, para realçar a osmose total existente entre a França e as suas antigas colônias. O apoio de Houphouët-Boigny pela política francesa em África, levou-o a estabelecer laços diplomáticos com o regime do apartheid da África do Sul e a fazer do seu país um local de aprovisionamento para os sucessores da guerra do Biafra, na Nigéria.

Era pouco provável que estes dirigentes pusessem em causa as imposições da França e o mesmo se passou com os seus herdeiros. No Chade, os franceses retidos por rapto de crianças foram libertados sob pedido da França. No Mali, diversos terroristas suspeitos – membros de uma divisão local da Al Qaeda – foram libertados na troca de apenas um refém francês. O Presidente senegalês Abdoulaye Wade chegou a qualificar o Franco CFA como uma relíquia da era colonial, mas enquanto era líder da oposição. Actualmente, ele pensa que se trata da melhor moeda do mundo.
Este estado econômico e físico garante que, cinquenta anos após a independência, a emancipação da Françáfrica continua simbólica. Se há algo a celebrar, é o facto de que um novo cenário de força mundial se desenha, que o poder econômico se desloca para países emergentes e que os modelos e os exemplos vindos de uma nova geração educada na era da globalização, se preparam para tomar as rédeas do poder.