Imigrantes ilegais em Israel viram alvo de leis severas e deportações

Arturo Hartmann

, por Opera Mundi

Antes dominantes, as feições europeia e árabe da população de Israel hoje são complementadas por olhos puxados e pele amarela e negra. Imigrantes vindos de longe, especialmente do Sudeste Asiático, começaram a desembarcar no pequeno país no começo dos anos 1990, com incentivo do governo local, em busca de melhores condições de trabalho. Desde a administração de Ytzhak Rabin, tailandeses, filipinos e chineses, por exemplo, começaram a substituir a força de trabalho palestina. No entanto, esses estrangeiros atualmente sofrem com o preconceito e a deportação, apesar de alguns terem tido filhos em solo israelense.

“Os setores de construção, agricultura, saúde e limpeza precisavam de mão-de-obra barata e, por décadas, essas empresas negligenciaram investimentos em capital humano, maquinário e salários apropriados para se modernizar. Tornaram-se dependentes do trabalho palestino, que foi substituído nos anos 1990 pelos imigrantes”, explicou ao Opera Mundi o economista israelense Shir Hever. Segundo ele, no começo do século, o então ministro das Finanças do governo de Ariel Sharon, Benjamin Netanyahu, não conseguiu reduzir o número de trabalhadores. “Ele tentou, mas falhou após se render ao lobby das companhias de agricultura e construção”, que precisavam dos funcionários.

Agora, como primeiro-ministro, “Bibi” – como Netanyahu é chamado em Israel – deu início a uma série de medidas para conter a onda imigratória e preservar a predominância de judeus na população. Em agosto de 2010, foi aprovada uma lei que permite a deportação de crianças de imigrantes. Dois meses depois, uma emenda legislativa que impõe aos não judeus que queiram adquirir a nacionalidade israelita jurar lealdade ao país como "Estado judeu e democrático" causou polêmica.

Em 20 de maio, o Knesset (congresso israelense), aprovou uma lei que restringe imigrantes que trabalham no setor de saúde a uma região específica do país – ela foi denominada por críticos como “Lei da Escravidão”. Além disso, a legislação impõe que os trabalhadores só podem mudar de empregadores por no máximo três vezes.

O membro do Knesset David Azoulay, do partido Shas, presidente do Comitê de Interior do Congresso, defendeu a lei: “Ela lida com uma situação problemática e dolorosa: os estrangeiros trazidos a este país para cuidar de pacientes com sérias necessidades abandonam suas responsabilidades pela dificuldade do trabalho, deixando-os sem qualquer possibilidade de cuidado”, afirmou, de acordo com o jornal israelense Haaretz.

Ran Cohen, médico e diretor executivo da organização israelense Médicos pelos Direitos Humanos (PHR, em inglês), explicou os detalhes: “O alvo principal hoje é o serviço de saúde, mas poderá estender-se aos que trabalham nos setores de construção e agrícola. Se deixarem mais de três vezes o empregador, perdem o visto. Se deixarem a área geográfica designada, perdem o visto e ficam sujeitos à prisão e deportação”.

A “Lei da Escravidão”, na verdade uma emenda à Lei de Entrada israelense, que regula questões de vistos e deportação, põe no corpo jurídico uma regulação que existia até 2006, mas foi vetada pela Suprema Corte de Israel, por considerá-la uma forma de escravidão moderna. “Quando um trabalhador deixava seu empregador, perdia o visto de trabalho, tornando-se ilegal. Como resultado, trabalhadores eram explorados e maltratados por empregadores, não eram pagos, tinham que escolher entre um mau empregador ou perder o visto. Por isso há tantos trabalhadores ilegais em Israel”, disse o médico. As estimativas falam em uma população de 100 mil trabalhadores ilegais

“Precisaremos ir à Corte novamente, à mídia, nos manifestar nas ruas”, afirmou Emi Saar, coordenadora do Centro de Intervenção de Crises da Linha de Ajuda aos Imigrantes Trabalhadores (HMW, em inglês). O HMW trabalha com casos individuais, prestando apoio paralegal, coleta de histórias e atendimento de emergência. “Já que o governo decidiu empregá-los, deve dar a eles os mesmos direitos, como proteger seus direitos trabalhistas, impor a lei aos empregadores, cancelar a política de amarração/fixação e dar a eles as mesmas condições de trabalho dos israelenses. Deve também manter acordos bilaterais com seus países de origem para que não paguem milhares de dólares para vir a Israel. Seria um bom começo”.

Direitos humanos

A questão dos imigrantes, um fenômeno global, ganha formas locais. A população de “estrangeiros” tornou-se um novo fator na equação interna do conflito social de Israel entre judeus e palestinos. O tipo de status de permanência passa pela discussão do Estado judeu.

A questão ganhou contornos claros em meados de 2010 nos debates sobre a aprovação de uma lei no Knesset que ditava as regras para expulsar de Israel crianças filhas de imigrantes. Em agosto de 2010, Netanyahu aprovou a lei de deportação de filhos de imigrantes.

“Essa é uma decisão razoável e equilibrada, influenciada por duas considerações: a consideração humanitária e a sionista. Estamos buscando formas de absorver e adotar em nossos corações crianças trazidas e criadas como israelenses. Por outro lado, não queremos criar um precedente que irá levar centenas de milhares de trabalhadores ilegais a inundar o país”, disse ao Haaretz. Esses estrangeiros se juntariam aos palestinos na tão temida “bomba demográfica”.

A lei gerou mal-estar no país e não foi imediatamente cumprida. “Houve a intenção de prender crianças, mas não o fizeram. Apenas nas últimas semanas começaram a prender famílias com crianças pequenas”, explicou Cohen.

Lucros da imigração

E se, em público, Netanyahu diz que a grande questão é a manutenção do Estado judaico, a política do governo diz outra. Há em Israel um mercado que precisa da mão-de-obra, mas que se alimenta da xenofobia que vê a imigração como indesejável. Leis como essas mantêm o negócio lucrativo, na opinião de Hever. “A HMW descobriu que os mediadores que trazem os imigrantes cobram entre cinco e 24 mil dólares de cada um. As companhias têm um enorme interesse nesse sistema em que mais trabalhadores sejam trazidos a Israel e rapidamente deportados, e que novos venham para substituí-los. Eles lucram enormidades com isso”.

“É uma questão complexa. Os empregadores e mediadores, e alguns políticos, ganham enorme popularidade ao expressar ódio e racismo em relação aos migrantes. Esta é uma batalha de longo-prazo entre ideologia étnica e ganância. Oficiais israelenses eram contra trabalhadores palestinos em Israel em 1967, mas muitos empreiteiros os trouxeram de qualquer forma. Sempre há movimentos promovendo o ‘trabalho hebreu’ para guardar a vitória demográfica dos judeus em Israel, mas há outros que argumentam que um certo liberalismo e considerações pragmáticas ajudarão a economia de Israel”.

No início de abril, o diário israelense Yedioth Ahronot e a Organização Gesher divulgaram uma pesquisa conjunta (conduzida pelo Instituto Panels). Setenta e oito porcento dos entrevistados disse que imigrantes e refugiados “são um perigo ao caráter judaico do Estado de Israel" – 57% falavam em grande perigo e 21% em um perigo moderado.

Artigo pulicado no site Operamundi