Sociedade civil, meio ambiente e mudanças climáticas

Políticas nacionais vão à contramão do enfrentamento real das mudanças climáticas

, por Fase - Solidariedade e Educação , LEROY Jean Pierre, MALERBA Julianna

Este texto está sendo escrito enquanto se realiza em Doha, no Catar, a 18ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas – COP 18. O Brasil aproveita para divulgar que reduziu em 30% as suas emissões de gases do efeito-estufa, e a Organização Mundial de Meteorologia - OMM para informar que 2012 será o nono ano mais quente desde as medições iniciadas em 1850. Em Conferência anterior, realizada em Kyoto, em 1997, os membros da ONU presentes tinham chegado a um acordo (o Protocolo de Kyoto) que fixou metas de redução das emissões desses gases a serem cumpridas pelos países desenvolvidos/industrializados.

Esse acordo está chegando ao fim da sua vigência e não haverá outro compromisso oficial. É verdade que o Protocolo de Kyoto não conseguiu fazer com que se alcance uma redução real das emissões.

Num mundo em que o modelo de produção e de consumo capitalista continua aparecendo como a única forma possível de desenvolvimento e os governos entendem que a sua sobrevivência e a dos seus países dependem dele, no meio de tantos conflitos, não é de se admirar que o futuro do planeta e da humanidade não esteja na ordem do dia.

Porém, o futuro já começou. Os cientistas nos alertam que o aquecimento do planeta não significa apenas um aumento linear e geral do calor, mas também “eventos extremos”. Eles nos informam igualmente que o estado atual das pesquisas não permite dizer em que proporção o aquecimento do planeta contribui para a violência desses eventos. A televisão e a internet tornam próximas as cenas de furacões, secas, enchentes, tempestades de neve, incêndios se avizinhando perigosamente das nossas vidas. Num mundo urbanizado (lembremos que, segundo o censo de 2010 do IBGE, a população urbana representa 84% da população brasileira), as perspectivas são alarmantes, ainda mais em países com características como o Brasil.

A forma como o Estado e a sociedade têm formulado resposta ao enfrentamento das mudanças climáticas ainda parece bastante aquém da complexidade com que a problemática se apresenta.

Em 2009, foi construída a Política Nacional sobre Mudança do Clima que estabeleceu um compromisso voluntário de redução de emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020 em relação ao que o país emitia em 1990. [1] Ela prevê uma série de planos setoriais visando o alcance dessas metas de redução. Não é propósito analisar extensamente os planos setoriais e a Política Nacional. Todavia, nota-se que, do ponto de vista do enfrentamento das causas, as estratégias a nível nacional tem se pautado mais em medidas econômicas e de mercado do que em planejamento de longo prazo. Este seria capaz de reestruturar o sistema de mobilidade e estabelecer mudanças estruturais no perfil industrial e energético do país.

Análises realizadas por pesquisadores e organizações da sociedade apenas sobre o plano setorial de transporte revelam que “o plano deixa de abordar entre seus objetivos, iniciativas que visem à redução da demanda de viagens, elemento emergente e crucial para uma mobilidade e consumo mais sustentáveis e, consequentemente, a redução de emissões de GEE”. [2] Outro aspecto negligenciado refere-se à urgente necessidade de redução no custo do transporte urbano e estabelecimento de mecanismos de subsídio de investimento em transporte público e não motorizados.

Sem que se estabeleçam relações entre energia e clima, documentos de planejamentos nacionais, a contramão de qualquer política climática, apontam para a necessidade de expansão acelerada da produção de energia. É assim que o Plano Decenal 2020 prevê que a capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional (SIN) deverá crescer em torno de 60.000 MW em 10 anos. Isso corresponde a um acréscimo de mais de 5.000 MW de capacidade instalada anualmente, o que corresponde a um terço da potência instalada da usina de Itaipu (14.000 MW/ano). Isso significa que a cada três anos o país terá de incluir no sistema a mesma quantidade de energia produzida anualmente pela maior de suas usinas.

No plano local, onde as mudanças climáticas se fazem sentir, os desafios não são menores. O caráter tecnicista com que são formuladas as soluções de enfrentamento a nível local contribui para a fragmentação da análise e da busca de soluções. Essa fragmentação também se coloca a partir de uma dinâmica onde a cada unidade municipal é dada responsabilidade de formular medidas mitigadoras e de enfrentamento às tragédias relacionadas às mudanças climáticas.

Assim, como consequência, as ações do poder público local não consideram a relação entre o modelo agroexportador, os déficits hídricos urbanos, a migração às cidades e o padrão excludente de ocupação do solo urbano, por exemplo. Neste sentido, o padrão excludente que organiza a dinâmica urbana é mantido e com ele a vulnerabilidade e a desigualdade ambiental que as mudanças climáticas tendem a aprofundar.