Compomissos da FASE contra a mercantilização do clima e pela justiça climática.

, por FASE

Em dezembro próximo será realizada a COP 15 (Conferência das Partes da
Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), em Copenhague, onde
se espera que os governos estabeleçam acordos e compromissos que evitem um
recrudescimento ainda maior da crise climática. Organizações e movimentos
sociais nos planos global, nacional e local estão se mobilizando para que os
compromissos assumidos sejam condizentes com a urgência desta crise, que
recai de forma mais dramática sobre as populações excluídas.

As mudanças climáticas e a mercantilização do clima estão afetando
diretamente os grupos sociais com quem a FASE atua no enfrentamento e na
proposição de alternativas ao insustentável e desigual modelo de produção,
distribuição e consumo. Nas periferias urbanas e nos territórios em disputa
contra o agronegócio os efeitos da mudança do clima atingem principalmente
os grupos sociais urbanos vulnerabilizados, que vivem em moradias precárias
e sem acesso a serviços de saneamento, os povos tradicionais, camponeses e
agricultores e agricultoras familiares, sem terras e extrativistas.

De fato, as fortes alterações no regime de chuvas, as enchentes e
deslizamentos em periferias urbanas e áreas rurais, a semi-aridização de
partes da Mata Atlântica e do Cerrado, o aumento da desertificação em áreas
do Nordeste, a sucessão de secas no Sul, compõem um cenário de emergência
social e ambiental.

As mudanças climáticas são o resultado de um modo de produção, distribuição
e consumo baseado na exploração intensiva dos recursos naturais, que
considera a natureza e os bens comuns - água, terra, ar, sementes - como
recursos a serem infinitamente explorados e privatizados. A crise do clima
no mundo não é uniforme. Afeta mais os países do Sul do que os do Norte,
responsáveis por 80% das emissões de gases do efeito estufa (GEE),
provenientes em sua maioria da queima dos combustíveis fósseis. E nos países
do Sul, afeta mais intensa e diretamente os grupos sociais que menos emitem
os gases do efeito estufa porque menos consomem, e que mais protegem as
florestas e os sistemas hídrico e climático.

Nesse sentido, a Justiça Climática ? princípio que estabelece que o peso dos
ajustes à crise climática deve ser suportado por aqueles que historicamente
foram responsáveis pela sua origem e não pelos que menos contribuíram e que
são as principais e potenciais vítimas das mudanças climáticas ? indica um
caminho de intervenção estratégica da FASE*:* a crise do clima reclama por
alternativas ao modelo de desenvolvimento global, que enfrentem as
desigualdades econômicas, sociais, ambientais, o desequilíbrio Norte-Sul, as
desigualdades no interior dos países, e que garantam o direito a padrões
dignos de consumo à maioria excluída do acesso à energia e outros bens
essenciais.

A FASE discorda das supostas ?soluções? ao problema climático, estabelecidas
a partir dos compromissos - muito aquém do necessário ?
firmados no Protocolo de Quioto, bem como das políticas e programas dos
Bancos e Instituições Financeiras Multilaterais que seguem o /lobby/ das
grandes corporações transnacionais. As pífias metas de redução de emissões
de CO_2 , os instrumentos financeiros, jurídicos e políticos das propostas
compensatórias, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), merecem maior
questionamento na sociedade brasileira, notadamente junto aos povos,
populações e regiões mais vulneráveis às consequências das mudanças
climáticas.

O mercado de carbono, como propaganda de solução para a crise climática,
desvia o foco das principais e urgentes ações de mudança de paradigma em
relação ao modelo de desenvolvimento vigente nas sociedades industriais do
Norte e reproduzido pelas elites do Sul; e retarda as mudanças estruturais
nos padrões de produção, distribuição e consumo global. Os projetos de MDL
em curso ou em negociação reforçam o mesmo modelo excludente, continuando a
sacrificar populações para a instalação de pequenas centrais hidrelétricas,
plantações de árvores, entre outros, mas desta vez em nome do meio ambiente.
Os problemas climáticos não serão resolvidos apenas pela adoção de medidas
técnicas e tecnológicas, nem por soluções propostas pelos principais
causadores do aquecimento global.

É preocupante o fato do Brasil estar entre os primeiros países no ranking
internacional de projetos para o mercado de carbono, ao mesmo tempo em que é
o país que mais emite por causa do desmatamento e da queima de florestas e
de vegetação, o que torna ainda mais urgente tanto a crítica organizada da
sociedade, quanto a execução de medidas concretas que alterem o modelo de
desenvolvimento.

É preciso enfatizar a responsabilidade do Norte pela grande maioria das
emissões de CO_2 e que, portanto, o enfrentamento da crise do clima passa
fundamentalmente por mudanças nestes países. No entanto, isso não significa
que devemos deixar de apontar a responsabilidade do Brasil nas emissões
causadas pelo modelo de desenvolvimento vigente, que devora florestas e
recursos naturais. Para manterem as emissões de GEE e o modelo do
sobre-consumo, através do mercado de carbono, os Estados e corporações
incentivam os plantios homogêneos de eucalipto, a ampliação do monocultivo
da cana de açúcar para etanol, a construção de grandes hidrelétricas, a
regularização de terras de grileiros, bem como a energia nuclear, que apenas
aprofundam a posição subordinada e as desigualdades sócio-ambientais do Sul,
comprometendo inclusive a segurança alimentar. Sem falar das indústrias
eletro e hidro intensivas de siderurgia, do alumínio e da petroquímica,
transferidas para países do ?Sul?, e que mascaram assim reais emissões de
GEE feitas para perpetuar os padrões de consumo vigentes. É esse modelo que
os sucessivos governos adotaram no Brasil, sendo responsáveis, portanto,
junto com a grande maioria dos setores produtivos, pelo atraso do país em
enfrentar a crise climática.

A FASE, em diferentes dimensões e regiões, está engajada em várias ações de
enfrentamento das injustiças ambientais e climáticas e na popularização das
experiências democráticas e sustentáveis promovidas pelas populações do
campo e da cidade, e pelos povos da floresta.
Exemplos concretos são a promoção da agroecologia e o fortalecimento da
agricultura familiar; a formulação de propostas de políticas públicas que
reconheçam e valorizem as atividades produtivas das comunidades
tradicionais; as diversas lutas de movimentos sociais urbanos pela reforma
urbana, pelo direito a cidade, pela melhoria das moradias, do transporte
coletivo e do saneamento.

A noção de bens comuns deve ser resgatada. Ao manejar de maneira sustentável
suas propriedades, suas posses e seus territórios, camponeses,
extrativistas, quilombolas e povos indígenas cuidam do bem comum. É dever da
sociedade e do Estado reconhecer a importância e o trabalho desses grupos
sociais na preservação do meio ambiente, apoiar e viabilizar políticas
públicas de reconhecimento desse papel. Essas políticas devem se traduzir em
apoio financeiro para assegurar as atividades sócio-produtivas - tais como
manejo florestal comunitário, pesca artesanal, manejo dos recursos
aquáticos, agro-floresta, plano de uso etc ? que garantem a reprodução
sócio-cultural da comunidade e a preservação dos recursos naturais, em
detrimento de atividades que, além de não assegurar a sobrevivência e a
reprodução desses grupos sociais, destroem o meio ambiente. Questionamos,
porém, a remuneração pelo mercado de grupos sociais que prestariam ?serviços
ambientais?, pois significaria associar esses grupos a estratégias de
mercado estranhas a sua vivência, em condições de desigualdade e
subordinação às estratégias empresariais.

*Sobre a contribuição da FASE para o enfrentamento das mudanças climáticas*

Há quase cinco décadas, a FASE se encontra em processo permanente de
construção e de acumulação em diversos temas nos territórios em que atua,
por meio da parceria com as populações e grupos sociais, aperfeiçoando sua
visão sobre desenvolvimento e se identificando com uma concepção
sócio-ambiental. Neste sentido, a partir das suas práticas educativas
desenvolvidas junto às populações, organizações e movimentos sociais
parceiros, participou na Amazônia da construção de uma proposta de política
pública denominada PRÓAMBIENTE apresentada durante o Grito da Amazônia 2000,
que propõe um programa de desenvolvimento rural sócio-ambiental voltado à
produção familiar rural agrícola, agroflorestal, extrativista, pesqueira
artesanal, indígena e/ou outras formas de produção tradicional da Amazônia
Legal.

Outra iniciativa é o Fundo Dema, criado em 2003, fruto da doação do
MMA/IBAMA de seis mil toras de mogno extraídas ilegalmente, apreendidas na
região de Altamira, Oeste do Pará. É um fundo permanente de financiamento de
projetos de proteção ambiental, manejo florestal comunitário e ações de
desenvolvimento sustentável e inclusão social. A FASE foi indicada por
movimentos sociais da região como donatária do mogno recolhido para
administrar o fundo, em parceria com a Fundação Viver, Produzir, Preservar
(FVPP) e Prelazia do Xingu.

A FASE contribuiu por meio de seu Programa Regional Espírito Santo para a
criação, em 2004, do Grupo de Durban para Justiça Climática, onde
organizações de diversos países articulam críticas ao mercado de carbono e
apóiam grupos locais de resistência. Além disso, a FASE é membro da rede
Justiça Climática Já!, uma rede internacional criada durante a COP 13, em
Bali 2007, que congrega atualmente mais de 180 organizações de todo o mundo
que lutam em prol da justiça climática, e vem participando ativamente da
preparação para as mobilizações durante a COP 15, em Copenhague, dezembro
2009. No plano nacional, a FASE é membro do GT Clima do Fórum Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais para o Meio ambiente e o Desenvolvimento ? FBOMS e
está em diálogo com diversas organizações e movimentos sociais realizando
capacitação, formação e articulação com vistas a ampliar o debate sobre
justiça climática.

A trajetória da FASE reforça a convicção de que o enfrentamento da crise
climática requer políticas públicas nacionais, regionais e internacionais
que fortaleçam, no caso das áreas rurais, os sistemas agro-florestais, o
manejo comunitário das florestas nativas, a agroecologia, a titulação das
terras indígenas, quilombolas e de populações agroextrativistas, o
reconhecimento social e econômico do papel, do trabalho e das atividades
produtivas sustentáveis realizadas por comunidades rurais e tradicionais
para a humanidade. Essas populações devem receber o apoio governamental
necessário para tornar viável uma economia baseada no uso sustentável da
floresta. As propostas em debate sobre REDD - Redução de Emissões por
Desmatamento e Degradação
 devem ser norteadas por estes parâmetros e devem se ancorar e se
viabilizar através de políticas e fundos públicos. Nas cidades, é preciso
assegurar o acesso das maiorias excluídas a fontes de energia limpas e
baratas; a moradias seguras; ao saneamento ambiental; aos planos de
prevenção e enfrentamento de enchentes, com monitoramento permanente das
áreas de risco; e a sistemas de transporte coletivo com energia limpa
ancorados em planos de encurtamento das distâncias entre moradia e local de
trabalho.

*Nossas visões e propostas*

Nesse sentido, a FASE se posiciona e trabalha com alguns conceitos que
servem para guiar sua atuação na discussão sobre clima:

 A justiça e a dívida climáticas devem entrar como princípios na negociação
internacional sobre mudanças climáticas. Nesse sentido, a proposta do
governo boliviano sobre dívida climática deve ser apoiada pelo governo
brasileiro e entrar no acordo pós-2012, a ser negociado na COP 15 e além;

 A mudança no modelo de produção, distribuição e consumo deve ser o pano de
fundo para qualquer negociação sobre mecanismos de enfrentamento das
mudanças climáticas e políticas que visem este enfrentamento;

 As definições de mitigação e adaptação devem ter um tratamento conceitual
mais coerente com a mudança de paradigma de modelo que queremos. Nesse
sentido, é necessário um amplo debate sobre o que se entende por estes
conceitos. As medidas de mitigação e adaptação aos efeitos do clima devem ir
na direção contrária aos mecanismos de mercado e rumo a políticas públicas
nacionais, regionais e internacionais que priorizem estratégias estruturais
para a urgente redução das emissões e do sobre-consumo.

 As comunidades, populações tradicionais e grupos vitimizados devem ser
sempre os principais beneficiários pelos fundos públicos e voluntários.
E as políticas públicas e os acordos internacionais ambientais e climáticos
devem ser orientados para essas populações e não para a preservação dos
privilégios das elites. A FASE apóia a criação destes mecanismos desde que
não atrelados ao mercado.

 A FASE vem formulando proposições que partem da noção de bens comuns/,/ do
combate ao desmatamento, articulados à necessidade de criação de um conjunto
de fundos voluntários e de políticas públicas.
Estas propostas se apóiam em nossas ações referentes à gestão territorial e
constituição de territórios das populações e povos, práticas agroecológicas
e agroflorestais, ações de transformação e comercialização de produtos, bem
como a garantia da soberania e segurança alimentar.

 Em relação às negociações sobre REDD, a FASE manifesta sua preocupação
quanto a possibilidade do mecanismo premiar quem mais desmatou; das
florestas se tornarem apenas reservatórios de carbono e inviabilizarem o uso
sustentável pelos povos da floresta; e pela estrutura que está sendo
estabelecida não diferenciar florestas naturais ou recompostas perenes, de
plantações homogêneas que serão abatidas em poucos anos. A FASE critica as
propostas que relacionam qualquer medida ou fundo ao mercado de carbono, e a
gestão por parte das Instituições Financeiras Multilaterais. A FASE espera
que o governo brasileiro mantenha sua posição de não aceitar que REDD seja
utilizado como compensação para a redução de emissões em outros países.

 A FASE conclama os países do Anexo 1 a assumirem metas de redução de
emissões de CO_2 ? de no mínimo 40% até 2020 e de 80% até 2050 - condizentes
com a urgência da crise climática provocada por esses países, de forma que o
patamar da espiral do aquecimento global fique restrito ao já preocupante
aumento médio de 2º C. Conclama também os países em desenvolvimento, levando
em conta o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, a
também assumirem compromissos com metas de redução de suas emissões haja
vista que o enfrentamento real e efetivo do problema exige compromissos do
conjunto dos países.

 O gasto de energia envolvido nos longos circuitos do comércio global de
mercadorias é um importante fator de agravamento das mudanças climáticas, e
esta é mais uma razão para seguirmos resistindo ao avanço dos monocultivos
de soja, cana, eucalipto e outros, voltados para exportação. É preciso
encurtar as distâncias entre produção e consumo de alimentos, investindo no
fortalecimento dos mercados locais através do abastecimento alimentar das
cidades pela agricultura familiar e camponesa.

Por fim, a FASE entende que a segurança e soberania alimentar no campo e na
cidade são elementos centrais e constitutivos da noção de Justiça Climática,
que para ser conquistada é necessária a criação de um novo paradigma de
desenvolvimento, democrático e ambientalmente sustentável, para o qual a
FASE se compromete junto aos parceiros e redes com as quais atua.