Os militares são o principal grupo de apoio – o mais poderoso e influente. Independentemente da vitória eleitoral do capitão reformado, vimos nos últimos anos e sobretudo meses, uma presença crescente dos militares na vida política. Há relatos de que as Forças Armadas não mais aceitavam a presença de Dilma na Presidência e teriam procurado Temer em 2016. Certamente, uma da melhores iniciativas da Presidenta (a instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV)) tem uma relação com isto – as intervenções do General Luiz Eduardo Rocha Paiva em programa de televisão indicam a insatisfação militar com a CNV, que teria também aproximado o capitão-deputado – antes visto com desconfiança – dos altos oficiais por conta de suas posições no Congresso a respeito das graves violações dos direitos humanos no período da ditadura militar de 1964-1985. Pode-se dizer, ademais, que parte decisiva da manutenção de Temer à frente do governo golpista deve-se aos militares, com papel importante exercido pelo general da reserva Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, cujos poderes em 15 de outubro foram ampliados. Ele, ademais, estaria envolvido no monitoramento da campanha de Haddad para favorecer Bolsonaro, de acordo com a revista Carta Capital.
Elementos indicam um apoio (a ser melhor elucidado por pesquisadores no futuro) dos militares à Lava Jato. Quando, no dia 3 de abril deste ano, o STF estava julgando o habeas corpus de Lula (que impediria sua prisão, enquanto não condenado em última instância), o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas dispara um tuíte – lido poucos minutos depois pelo apresentador do Jornal Nacional da Rede Globo ao vivo em tom especial – colocando o “repúdio à impunidade” do Exército, que estaria “atento às suas missões instituicionais”. Uma ameaça caso o STF tomasse a decisão equivocada (ou seja deixasse Lula solto, até o julgamento em última instância) ? Como ele mesmo admitiu recentemente, sua ação foi “no limite”, pois “sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse”. Por um voto, o STF negou o habeas corpus, Lula seria preso nos dias seguintes e estaria fora da eleição.
A presença dos militares aumentou consideravelmente, com uma banalização progressiva desde meados dos anos 1990 das operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e indiciamentos de acordo com a vetusta Lei de Segurança Nacional. Uma militarização da vida e da política, com uma intervenção militar em curso no Rio de Janeiro (com desastrosos resultados no que toca aos direitos humanos), número crescente de escolas militares e até no STF. O novo presidente do Supremo, Dias Toffoli, repensou o que ocorreu em 1964 e disse que não teria havido nem um golpe (como o caracterizam os democratas) nem uma revolução (como certos militares e seus apoiadores a consideram chamam), mas um movimento ; curioso “meio-termo”. Junto com a revisão histórica, Toffoli chamou (de forma inédita) para sua assessoria o então número 2 do Exército (e que agora será o novo ministro da Defesa). A composição se torna ainda mais preocupante se pensarmos que o candidato vencedor não é somente um defensor da ditadura militar, mas um entusiasta de seus porões – dedicou, por exemplo, seu voto pela destituição de Dilma ao seu algoz, o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra (homem que levou duas crianças de 4 e 5 anos para verem sua mãe desfigurada pelos maus-tratos que ele comandava).
Na preparação da campanha, um grupo de altos oficiais se juntou à candidatura Bolsonaro, fazendo reuniões regulares e preparando um programa. A principal figura desse grupo é o futuro ministo do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. O general foi o primeiro chefe da Minustah (Missão das Nações Unidos para a Estabilização do Haiti) e seu coming out político ocorreu em abril de 2008 em encontro na FIESP (organizado junto com a Universidade de São Paulo) com vários atores (governo, empresas, pesquisadores) para discutir o fomento à indústria nacional de defesa. Nesse evento, ele fez uma declaração sobre um tema distinto, a saber sua oposição contundente à demarcação contínua da Serra da Raposa do Sol (território indígena em Roraima) [1]. Militares estarão à frente também dos Ministérios de Minas e Energia e de Infra-estrutura, em cargos-chave do Palácio do Planalto e o vice, o general Hamilton Mourão deve ter funções de coordenação no novo governo. Os militares, assim como Bolsonaro, viveram uma virada neoliberal (frente ao anterior estatismo). Mourão sobretudo expressa isso, ao se posicionar, por exemplo, durante a campanha contra o décimo-terceiro salário ou admitir a privatização de partes das atividades (de distribuição e refino) da Petrobras.
Um segundo setor forte é o do judiciário. Aproveitaram as brechas de 2013, a aprovação da lei de delação premiada e assumiram um papel ativo e inédito, contando com apoio popular (em particular da classe média). Como resultado dessa ofensiva (que por sua vez alimentou a crise econômica, ao derrubar setores-chave do capitalismo brasileiro), a corrupção acabou se tornando, pela primeira vez, em 2017, a maior preocupação dos brasileiros (31%). Desde o início, em 1995, dessas pesquisas do Latinobarômetro é a primeira vez que isso é registrado em algum país. Bolsonaro encarnou essa sanha anti-corrupção. A ação dos procuradores e juízes pode ser lida como um “tenentismo togado” [2], num paralelo com o movimento de tenentes nos anos 1920 e 1930 que buscou a tomada do poder para concretizar uma agenda de moralização política, ancorada nos setores médios da sociedade. Duas diferenças : a movimentação contemporânea não é armada (embora conte com a simpatia das Forças Armadas) nem nacionalista. Antes, eram os militares positivistas, agora os homens liberais do direito. O contexto também é distinto : os primeiros se insurgindo contra um governo oligárquico, os segundos se opondo a um partido que representava um período de inclusão social significativa, com democracia.
No bojo de um sistema político ruindo desde 2013, esse setor se percebe como uma vanguarda regeneradora (e liberal) da república agindo contra a corrução, o estatismo e o patrimonialismo. Republicanos, mas muito bem remunerados, situando-se na faixa dos brasileiros muito ricos e ocupando posições ultraprivilegiadas no setor público com benefícios significativos (mil dólares de auxílio-moradia, por exemplo) – ganham muito mais do que homólogos em países mais ricos e tiverem aumentos reiterados nos últimos anos (o último nas semanas posteriores à votação). Se colocando como apartidário e tendo sido aprovados em concurso público e com poder reforçado após a Constituição de 1988, julgam exercer um poder técnico. Pode-se questionar essa ideologia da meritocracia numa sociedade tão desigual e com traços ainda escravocratas. Ademais, suas ações políticas foram se tornando cada vez mais explícitas e seu apogeu foi a ida anunciada de Moro para o Ministério da Justiça de Bolsonaro – o juiz declarou que seu futuro posto será técnico e não político (!).
Esse protagonismo teria sido impossível sem a chancela do STF e o apoio decidido do então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Num episódio significativo, no dia 16 de março de 2016, Moro levanta o sigilo de interceptações de conversas gravadas pela PF de Lula com Dilma e outras mais (várias ao arrepio da lei, ele irá se desculpar posteriormente após reprimenda do STF). Nos dois dias seguintes, Lula toma posse como Ministro da Casa Civil de Dilma e discursa em ato político numa Avenida Paulista abarrotada. Praticamente no mesmo instante da fala de Lula (dizendo que iria resolver as dificuldades do governo), o ministro do STF Gilmar Mendes suspende a nomeação de Lula, alegando desvio de finalidade (o ex-presidente estaria assumindo o ministério para que a eventual denúncia contra ele fosse julgada no Supremo e não em Curitiba : o STF desconfiando de si próprio ?). O último cartucho de Dilma se foi – esses dias selaram o destino do seu governo, com participação decisiva de vários setores do Judiciário.