“Candidato tem que se conectar com os movimentos sociais”

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O raper MV Bill diz que não faz campanha para ninguém, mas aposta em continuidade

Alex Pereira Barbosa, 35 anos, filho do bombeiro hidráulico Mano Juca e da dona de casa Cristina, nasceu na comunidade da Cidade de Deus, zona oeste carioca, onde mora até hoje. Este é MV Bill, um dos rapers mais populares do país e um dos militantes mais ativos nos últimos anos, segundo a Unesco. Na última semana ele esteve em Porto Alegre para lançar seu novo disco, “Causa e Efeito”. A apresentação foi no Bar Opinião, uma das poucas casas que abre para este tipo de música na cidade. Na escada do bar, e muito à vontade, ele conversou com a jornalista Rachel Duarte e expressou sua opinião sobre a política brasileira, as eleições, o governo do presidente Lula e também sobre a cultura hip hop e igualdade racial no Brasil.

 Como você avalia o espaço para a cultura hip hop hoje no Brasil?Existe ainda o estigma com este segmento?

O hip hop ainda parece estar associado com a violência, com a música de baixa qualidade e ao baixo astral. Há um tempo, uns 10 anos, até era meio isso. Hoje não, o movimento amadureceu. Nós vemos inserção dentro das apresentações, representatividade de pessoas de cores diferentes. Eu mesmo amadureci. Eu era um cara sem acesso e quando você não tem acesso, você acaba sendo mais contundente. Eu aprendi a dialogar de outra maneira. E tem pessoas que tem uma primeira impressão do hip hop que não conseguiram acompanhar esta evolução. Mas o hip hop está mudando e está selecionando, quem não tem papo legal pra dar não tem mais prestigio. E isso se deve a mudanças das periferias e causa reflexo em quem compõe suas letras de rap. Outros novos estão aparecendo.

 São poucos os meninos que despontam do anonimato das favelas para o mundo da música, como é o teu caso. Como é o incentivo ao hip hop no Brasil?

Eu valorizo muito o rap do Brasil e, aqui em Porto Alegre, tem um grupo que se chama Rafuagi que abriu meu primeiro show aqui. O grupo mistura rap com música gaúcha e eu valorizo a mistura do rap com a música local. Esse grupo já abriu meu show quando eu vim tocar aqui em Porto Alegre outra vez. Tem outro pessoal do Ceará, que mistura rap com baião, é o Rapadura. Então, está se desenhando uma cena bacana e Porto Alegre já está lidando com isso há muito tempo.

Mas, mesmo eu sendo um raper conhecido no Brasil inteiro, minhas músicas não tocam nas rádios com freqüência, meus clipes não estão constantemente nos canais de música na televisão. Eu tenho a internet que me dá um caminho alternativo e eu mesmo faço o meu CD. A produção independente é uma forma de combater os valores abusivos cobrados pelas gravadoras neste mercado. Se quisermos democratizar a cultura, o disco não pode ter o mesmo valor de uma bolsa de compra de um supermercado. Então eu vendo meu CD de forma popular e vejo retorno na venda. Na hora que eu divulgo em eventos eu vejo que o pessoal valoriza meu trabalho e por ser acessível, compra mais de um CD.

- A internet é um meio democrático, horizontal e permite acesso a conteúdos livres. Existe um movimento organizado para baixar músicas gratuitamente.Como você vê isso?

Eu não sou contrário. Minhas músicas são todas liberadas. Nos meus shows é possível entrar com qualquer tipo de captação e depois divulgar do jeito que quiser. Mas eu também estou fazendo um movimento pelo meu Twitter, para incentivar a compra do CD. Para valorizar toda a produção do trabalho, já que o valor é tão acessível. Custa apenas R$ 5,00. Mas não acho ruim a possibilidade de download gratuito.

O bom da internet é que ela independe do jabá na rádio, da boa vontade do colunista. Ali está a verdade e com isso, as pessoas acessam e seguem nos acompanham na rede.

 Você acredita que a Copa na África do Sul é uma conquista para aquela nação? É verdade que você recebeu um rótulo entre os fãs, de o “Mandela brasileiro”?

Eu continuo morando na Cidade de Deus e adoro morar lá. Eu nasci lá e por conta do acaso. Hoje eu até poderia morar em outro lugar, mas eu prefiro ficar lá por enquanto. E a comparação com Mandela é brincadeira. Aliás, Mandela é meu ídolo, pelo que fez na África do Sul, possibilitando a realização de uma Copa do Mundo como acontece agora. Utilizando o esporte, de maioria branca que é o rúgbi, como forma de fazer política de igualdade racial. Conseguiu e mudou a estrutura do país. Teve a nobreza de sair 30 anos depois da cadeia e perdoar quem o colocou lá. Então, se um dia eu conseguir ter um terço da nobreza dele, não precisa nem fazer os feitos que ele fez, mas ter um pouco da nobreza dele para mim seria o máximo.

 Você acha que o Brasil avançou na igualdade racial? As políticas públicas contemplam a população negra brasileira?

Já tivemos mudanças que eu considero significativas, importantes. Mas quando a gente vai olhar direitos em pé de igualdade, a gente percebe que tem muito ainda por conquistar, estamos ainda muito aquém do que seria o ideal. Mas o grande problema do Brasil é que ainda não se percebe que existem preconceitos raciais que não são vistos como tal. Ai surgem justificativas de que o problema é conjuntural e econômico, como se isso fizesse o problema racial menos grave. Independente da nomenclatura que se dê, nós temos de fato um desnível econômico grave, que passa pelo racial e a melhor forma de empoderar estas pessoas não é dando bolsas somente, é preparando estas pessoas para o futuro.

Tem que investir nas crianças. Esse é o maior investimento que deveria ser feito e é onde o Brasil peca. Quando não passamos uma educação de qualidade, a gente permite que a sociedade se desenvolva de forma desequilibrada, alguns sem cultura, sem conhecimento e sem ocupar lugares importantes da sociedade.

- O Senado aprovou o Estatuto da Igualdade Racial, mas deixou de fora o tema das cotas para negros em diversas atividades. O que você pensa sobre isso?

Dez anos depois foi sancionado e isso demonstra a lentidão do Brasil para votar uma coisa tão importante. O Brasil é o lugar com maior população negra, depois do continente africano e da Nigéria. E demoramos tanto para definir uma situação que eu considero de extrema importância. E quando leva tanto tempo assim denota a importância que este tipo de assunto tem no Brasil. E para passar, alguns itens do estatuto foram alterados e modificados. As cotas, por exemplo, elas continuam existindo, mas muda o nome e a forma de ela atuar. Ao invés de negros, ela contempla os pobres. Só que quando a gente abre, nós continuamos afunilando os espaços para quem tem a pele mais escura. O termo refere-se à discriminação étnica e não racial, mas pra mim não muda muito. E quando tu olha no mesmo estatuto e vê sugestões de mudança no acesso à educação, em relação a políticas contra a violência, saúde da mulher negra... ou seja, identifica uma série de problemas da população negra que em sua origem são procedentes da falta de educação. E onde as pessoas vão ter educação? Nas universidades. Então, nós voltamos ao ponto de partida. É necessário abrir as faculdades, porque é só formando novos cidadãos profissionalizados que nós vamos começar ocupar outros espaços e formar outra nação.

 Você é conhecido pelo trabalho de prevenção à violência e se aliou a iniciativa do ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, nesta área. Como você avalia o desenvolvimento do Pronasci e dos Territórios de Paz, que já apresentam resultados concretos, principalmente no Rio de Janeiro?

Por ser oriundo de favela, eu sempre olhei o diálogo entre a polícia e a comunidade de forma muito hostil. Ai o Tarso Genro se aproximou da gente de uma forma que eu esperava que o Ministério da Cultura se aproximasse, por fazermos um trabalho com música. Mas veio a Justiça se aproximando, entendendo que o que a gente fazia na área social era uma forma de prevenção, de antecipação da violência. Porque a gente dava uma oportunidade de o jovem ver quer tinha outros caminhos, outras referências positivas. Ai quando eu conheci o Pronasci, que trabalha com segurança pública e cidadania, cuidando das causas e não das conseqüências da violência, eu me dei conta que eu precisava ser fomentador desta ideia, um entusiasta do que estava acontecendo. Por vontade própria passei a participar, sem cobrar cachê, somente achando que se eu usasse o meu poder de conversar com a juventude e falar: ó, participa das ações que vão chegar, são importantes para mostrar que é possível investir nos jovens, porque a juventude quer mudar.

 Qual sua visão da política hoje?

Tem uma má vontade na política quando há projeto de interesse popular. Diferente de quando é uma obra, ou uma ação com fim eleitoreiro. E vejo que o Brasil é um país que tem dinheiro e é rico, só que não distribui de forma igualitária isso. Recentemente teve esse lance do reajuste dos aposentados. Podemos questionar, afinal se nós não temos condições de pagar um aumento para os aposentados ai fudeu, viramos o país mais miserável do mundo. Tem que reduzir os excessos nos gastos das verbas públicas, cortar cargos desnecessário, regalias e fazer políticas públicas que funcionem. O Brasil tem uma das maiores cobranças de impostos do mundo, e o serviço que retorna para a população tem que ter a qualidade do valor que é cobrado. O governo Lula tem várias coisas legais que eu elogio, mas o serviço público pode ser melhor. Hoje se você quiser ter educação e saúde de qualidade você tem que pagar. E quando isso acontece os serviços se tornam artigos de luxo e isso não é bom.

 Estamos em ano de eleição para governador, deputados, senadores e presidente da república. Qual a sua expectativa com o pleito? Você acredita no avanço do Brasil e aposta na continuidade?

Eu não faço campanha para ninguém, mas eu penso que qualquer um dos candidatos que assumir tem que ser continuidade do governo atual. Independente de partido, porque o Brasil está crescendo e isso é inegável. Então, se vierem com uma política diferente, torta ou que faça atalho do que estamos tendo hoje, pode ser muito ruim. A continuidade é fundamental, assim como o próprio governo Lula também deu continuidade às coisas boas dos governos anteriores. Agora, temos que ver as propostas. Não é o momento de guerra. Eu como eleitor não quero ver, já que eu gosto de assistir o horário eleitoral, os candidatos falando mal um do outro. Quero ver propostas e propostas que possibilitem o crescimento do Brasil.

 Qual dos candidatos mais se aproxima disso?

Dos três candidatos o que eu menos tenho contato é com o José Serra (PSDB) e se ele quiser correr atrás do prejuízo ele precisa se conectar com os movimentos sociais. Porque para ter continuidade do que já foi feito hoje tem que se aproximar dos movimentos sociais. E os movimentos têm papel importante, pois eles atuam onde o poder público não atua. Então, para governar o país tem que dialogar com estas pessoas.

 Você concorda com a auto-afirmação da candidata Marina Silva (PV), quando ela se intitula como a primeira presidente negra que o Brasil pode ter?

O Brasil tem coisas engraçadas. Quando citamos o presidente americano Barack Obama, consideramos o primeiro presidente negro. Mas quando falamos do Brasil, temos um ataque de inconsciência racial. Porque nós achamos que a Camila Pitanga, o Vanderlei Luxemburgo e a própria Marina Silva que são iguais ao Barack Obama não são negros. (risos) Então a gente precisa rever o que a gente concebe como preto ou não e mudar o critério. Pra mim é uma coisa só, eu não vejo diferença entre o Barack e a Marina Silva.