MST completa 40 anos com ’cicatrizes’ da luta pela terra e disputa pelo modelo de agricultura no país

A crise ecológica não pode ser dissociada da questão agrária

, por MST

O desenvolvimento do capitalismo nas últimas décadas nos levou a uma crise ecológica sem precedentes. Se o caminho de destruição da natureza não for revertido, a humanidade e a maior parte das formas de vida que conhecemos podem desaparecer do planeta Terra, em um fenômeno que é conhecido como “A Grande Extinção”, comparável à que extinguiu os dinossauros.

A mais conhecida evidência dessa crise ecológica são as mudanças climáticas. Atualmente estamos com uma temperatura média 1,2º C acima do que no período pré-industrial. Esse aumento já tem produzido temperaturas extremas em várias partes do mundo e do Brasil. Também tem alterado as chuvas, aumentando os temporais, e reduzindo os dias em que temos chuva. Os estudos alertam para um ponto de início de colapso a partir de 1,5º que pode chegar já na próxima década.

Um dos principais problemas ambientais brasileiros é o desmatamento. Segundo o organismo MapBiomas, nas última quatro décadas foram desmatados 185 milhões de hectares de florestas em todos os Biomas do território. Isso não tem paralelo na história da humanidade, que uma sociedade tenha causado tanta devastação vegetal. O modelo do agronegócio é o grande responsável pois a destruição dos biomas é parte do mecanismo de grilagem de terras, principalmente nas fronteiras de expansão agropecuária. Entre 2017 e 2021 foram desmatados quase 11 milhões de hectares em todo o país. Somente no ano de 2021 foram derrubadas 500 milhões de árvores apenas na Amazônia.

O desmatamento está diretamente ligado às mudanças climáticas tendo produzido em 2021 a enorme quantidade de 1,2 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa, o que significa, por exemplo, todas as emissões do Japão. Mas o desmatamento é também a causa de outras faces da crise ecológica. A destruição da biodiversidade é uma delas, pois cerca de 10 mil espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção pela destruição dos biomas. O desmatamento também impacta no aumento da erosão dos solos e na desertificação. Até 2021, cerca de 13% do semiárido brasileiro já tinha sido atingido pela desertificação.

A combinação de desmatamento e superexploração dos bens hídricos gera outra dimensão da crise ecológica, que é a crise hídrica. O agronegócio é responsável por 72% de toda a água utilizada no país, incluindo abastecimento da população urbana, sendo que somente a irrigação de 8,5 milhões de hectares utiliza a mesma quantidade de água que todas as outras atividades urbanas e rurais do país. A mineração gasta 2% de toda água captada no país, mas como é localizada, gera impactos gigantescos em territórios específicos. Por exemplo, se olharmos apenas para Minas Gerais, a mineração é responsável por 11% do total captado no estado.

As consequências são avassaladoras, gerando eventos climáticos extremos que têm afetado de forma desproporcional a população mais pobre do país. Nos últimos 30 anos, perdemos 16% de toda a superfície de água do nosso país, o que significa 3,1 milhões de hectares. A média de chuvas tem reduzido na maior parte do Brasil, tornando os períodos de seca cada vez mais comuns. A vazão das bacias tem reduzido numa velocidade ainda maior, porque além da redução das chuvas, tem aumentado a exploração das águas, especialmente pelo agronegócio. Na bacia do rio São Francisco a vazão hídrica reduziu até 50% entre 2010 e 2020. Quase 90 milhões de brasileiros foram afetados por secas e estiagens entre 2017 e 2020. Nas enchentes, outras 800 mil pessoas foram diretamente atingidas.

Credito : Camila Camomila, via mst.org

O modelo do agronegócio baseia sua produção no uso intensivo de agrotóxicos. Todos fabricados por empresas transnacionais e alguns deles proibidos de serem usados nos países de origem. Em 2022, estima-se que foram utilizados um bilhão de litros de agrotóxicos em todo o país. São cerca de 4 mil agrotóxicos diferentes no Brasil, sendo que em apenas 4 anos de governo Bolsonaro foram liberados 2.182 novos produtos, a maioria proibidos e banidos em outros países. Toda essa carga química se alastra pelo território nacional: em 2,3 mil cidades foram encontrados um coquetel mortal de até 27 agrotóxicos diferentes. Cerca de 60% da água fornecida nas torneiras das cidades tem contaminação de glifosato.

A questão ecológica não pode ser dissociada da questão agrária. As principais causas da crise ecológica no Brasil se devem ao modelo do agronegócio baseado na concentração fundiária, na expansão da fronteira agrícola, na produção de commodities baseada na monocultura e no pacote da revolução verde. A mudança dessas bases da agricultura brasileira são as chaves para o efetivo enfrentamento da questão ecológica.

Para esconder essa gravidade da crise, agora o capital financeiro e as grandes empresas querem criar uma nova mercadoria especulativa relacionada com a pretensa preservação da natureza. Transformar o oxigênio produzido pelas florestas em mercadoria. E estão construindo títulos de crédito de carbono, com base no volume de oxigênio gerado. E esses títulos serão vendidos a outras a empresas para compensar as agressões que fazem ao meio ambiente emitindo gases poluentes. Mas isso não altera as práticas agressoras do meio ambiente, apenas gera mais um negócio.

Por outro lado, estão introduzindo um mecanismo de rastreabilidade que acompanha todos os produtos agrícolas da fazenda até o mercado, transformando essas mercadorias em “verdes” ou “sustentáveis”. Isso tampouco elimina o uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, que afetam de fato a saúde pública. Produzir numa área que não foi desmatada recentemente não a torna verde ou sustentável. Assim como tem adotado agora a expressão agricultura regenerativa, e “agricultura de baixo carbono” como se o agronegócio conseguisse produzir sem usar venenos e sem agredir a natureza.

Os capitalistas estão apenas criando mais um mercado para ganhar dinheiro, acumular. E por isso esse discurso do “verde” e “agricultura regenerativa” não são de fato medidas estruturais de proteção do meio ambiente. Nenhum capitalista investe em reflorestamento, agroecologia, eliminação dos agrotóxicos e do monocultivo. Eles só investem naquilo que der lucro. Não tem compromisso com a natureza.