O governo do presidente Jair Bolsonaro, de seu mentor espiritual e político, o professor Olavo de Carvalho, de seu ministro do Exterior, Ernesto Araújo, do super ministro Paulo Guedes, economista ultra-neoliberal, de sua Eminência Parda, o deputado Eduardo Bolsonaro, está determinado a reorientar radicalmente toda a política externa (e interna) brasileira. Essa reorientação se daria pelo alinhamento de toda a política externa brasileira à política do Governo de Donald Trump, a começar pelo apoio a Israel.
Segundo esses protagonistas, a política dos governos brasileiros anteriores teria: sido ideológica e privilegiado as relações com governos de “esquerda”, não democráticos; negligenciado e hostilizado os países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos; envolvido o Brasil em temas nos quais não teria interesse direto nem poder para influir; dado pouca atenção aos interesses comerciais e econômicos do Brasil; contrariado e afrontado interesses americanos na América do Sul; criado um ambiente hostil aos capitais multinacionais.
A política exterior de Jair Bolsonaro, com excessos verbais, atitudes subservientes e “interpretações” inéditas da História, retoma a política de certos governos anteriores que entre si se diferenciam devido às circunstâncias de cada período, mas que tinham a mesma orientação geral de alinhamento com a política exterior norte-americana.
Com o presidente Bolsonaro, o Brasil passou a ter não apenas uma política exterior, mas uma política geral de governo que procura atender antecipadamente e, sem qualquer reciprocidade, às reivindicações históricas dos Estados Unidos: redução da União ao mínimo, em termos de funcionários e organismos; transferência de competências da União para Estados e Municípios; privatização geral; desregulamentação geral e auto fiscalização pelas empresas; abertura radical da economia e do setor financeiro; redução da Petrobrás, maior empresa brasileira, a uma pequena empresa, não integrada, de petróleo; privatização de todos os bancos estatais; autonomia do Banco Central; concessão de base militar em Alcântara; destruição dos programas estratégicos, em especial do programa do submarino nuclear; enfraquecimento da Chancelaria brasileira, pela quebra de hierarquia e pela inexperiência.
Devido às características do Brasil e às suas vulnerabilidades, as ações concretas de política externa deveriam sempre procurar: manter as melhores e imparciais relações com todos os Estados da América do Sul; criar e fortalecer um sistema de segurança político/militar na América do Sul e no Atlântico Sul; criar e fortalecer um sistema dissuasório de defesa nacional; estabelecer programas de cooperação com grandes Estados, como os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Índia, a França e a Alemanha; contribuir, ativa, discreta e imparcialmente, para a solução de crises; participar ativamente de conferências sobre temas universais, como meio ambiente, pobreza, raça, gênero, etc. cooperar com países subdesenvolvidos em projetos de desenvolvimento, sem impor “condicionalidades”; diversificar, quanto a produtos, destinos e origens, seu comércio internacional; abrir novos mercados para a ação das empresas brasileiras; promover a revisão dos sistemas de decisão dos organismos internacionais para obter condições de melhor participação do Brasil; conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O governo de Jair Bolsonaro tem contrariado frontalmente e feito o inverso das ações concretas sugeridas acima.
O Brasil participa da Aliança do Pacífico e do Grupo de Lima contra a Venezuela, infringindo os princípios de autodeterminação e de não intervenção, com ameaças militares, gerando ressentimentos, no esforço de agradar aos Estados Unidos em sua campanha para derrubar o governo da Venezuela.
O Brasil está promovendo o Pro-Sul, que articula governos de direita, e o fim da UNASUL e passou a privilegiar a OEA, organização em que a influência americana é tradicional.
Bolsonaro tem reduzido os recursos para os programas estratégicos militares (cibernética, espacial, nuclear) além de promover a exploração de urânio por empresas estrangeiras, a venda da Embraer à Boeing, assistir ao esvaziamento do Centro de Estudos de Defesa, da UNASUL, em Quito.
O Brasil tem participado de forma discreta de reuniões e conferências mundiais, com perfil baixo e sem apresentar propostas importantes, e considera as Nações Unidas um instrumento nefasto do que chama “globalismo” e de interferência externa nos assuntos nacionais, através da ação do que chamam de “marxismo cultural”.
O Mercosul tem sido desprestigiado e advogada sua transformação (dissolução) em uma Zona de Livre Comércio para poder o Brasil negociar acordos bilaterais com os EUA e outros países desenvolvidos. O Brasil não se interessa em fortalecer a cooperação com a Argentina, nem mesmo quando seu Governo é simpático ao Brasil, nem com a África.
O Brasil tem se afastado deliberadamente de qualquer política de cooperação com os Estados subdesenvolvidos, do que chamam Cooperação Sul-Sul que, a seu juízo, nenhum beneficio trouxe ao Brasil.
Na gestão Guedes/Bolsonaro/Araújo não há nenhuma preocupação com a perda de participação das manufaturas no total das exportações, com o acentuado processo de desindustrialização, resultado de uma política cambial de valorização do real e controle da inflação, nem com a diversificação do comércio exterior.
O apoio à internacionalização das empresas de capital brasileiro, em competição com megaempresas multinacionais, não somente na África e América Latina, mas inclusive nos Estados Unidos e na Europa, tem sido considerado como “criminoso”. O Governo tem permitido a desorganização e destruição de grandes empresas brasileiras, o que não ocorreu em outros países, onde os empresários culpados por corrupção foram punidos e as empresas preservadas.
A luta pela redistribuição de quotas e de poder de voto no FMI e no Banco Mundial foi abandonada devido à oposição americana e ao desejo de Bolsonaro de alinhamento incondicional com os interesses americanos.
Nem o presidente Bolsonaro nem o chanceler Araújo atribuem importância ao objetivo histórico da política exterior brasileira, e são até contrários, ao Brasil vir a ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e à coordenação com o Japão, a Alemanha e a Índia, para atingir este objetivo.
Ao contrário da “política” externa de Bolsonaro/Araújo, que parece se fundar em visões religiosas de luta entre o Bem e o Mal, entre o Ocidente e o Oriente, entre valores cristãos e de outras (religiões?) e onde Trump é o Salvador do Ocidente, uma política externa realista para o Brasil deve levar em conta: sua localização geográfica; suas características como sociedade, economia e Estado; suas vulnerabilidades e seu potencial.
O Brasil se encontra na América do Sul e em frente ao Atlântico Sul e a 23 Estados da África Ocidental. Essa é a sua localização e não qualquer outra que seria utópica.
Por esta razão, o centro principal de sua política externa deve ser a América do Sul, o Atlântico e a África Ocidental, mas a essas áreas não devem se limitar, de forma alguma, seus interesses e suas ações de política externa.
A América Central e o norte da América do Sul constituem área de influência dos Estados Unidos, sua zona mais estratégica, reconhecida, desde quando a declarou, pelas Potências de então, e onde se encontra o Canal do Panamá, ligação vital militar e comercial do país.
É objetivo estratégico permanente americano evitar, de forma ativa e enfática, a emergência, em qualquer região do mundo, de um Estado, ou associação de Estados, que desafie sua hegemonia e sua influência política, militar e econômica.
Esta prioridade americana é ainda mais aguda e sensível em relação ao Caribe, à América Central e ao Norte da América do Sul, como revelam as declarações americanas sobre a presença russa na área.
A política brasileira na América do Sul (e ainda mais na América Central e Caribe) deve ser em consequência prudente, mas firme e ativa sem se deixar envolver e sem se alinhar com os interesses hegemônicos dos Estados Unidos, centro do Império Americano.
O Brasil apresenta enorme disparidade de território, de população, de recursos e de potencial em relação a seus dez vizinhos de fronteira, cujo desenvolvimento, prosperidade, estabilidade e cooperação são, todavia, de extremo interesse para os objetivos nacionais brasileiros.
As dificuldades de natureza econômica nos vizinhos podem se transformar em instabilidade social, esta em instabilidade política com eventual transbordamento para o Brasil, sob a forma de migração ou de atividade inclusive militar de grupos irregulares.
Os objetivos nacionais brasileiros, isto é, da enorme maioria do povo brasileiro, não necessariamente das classes hegemônicas e das elites dirigentes que governam em seu nome, são: aperfeiçoar a democracia; promover o desenvolvimento econômico; reduzir as injustiças sociais e defender a soberania.
A democracia brasileira é frágil e a participação popular, declarada soberana pela Constituição de 1988, é articulada (manipulada) em seus procedimentos pelos interesses das classes hegemônicas econômicas e políticas, através de seus instrumentos de ação e da elite dirigente (ministros, altos funcionários, políticos etc.) que trabalha em seu nome.
A influência dos interesses políticos e econômicos dos Impérios e de Potências sobre estes processos políticos, exercida através dos tempos, foi e é notável, realizada muitas vezes através de agentes internos e de seus vínculos com as classes hegemônicas do Império Americano.
O número de vizinhos, e a disparidade de dimensões são de tal ordem, assim como os ressentimentos históricos do processo de formação do território brasileiro, e entre os Estados vizinhos, que afloram no presente, fazem com que o Brasil nunca deva interferir nos processos políticos dos Estados vizinhos.
Cada Estado vizinho teve uma evolução política, econômica e social própria, decorrente das inter-relações de forças internas e externas e não cabe ao Brasil julgar os seus méritos nem tomar partido, sob pena de criar ressentimentos desnecessários e de difícil superação.
O Brasil (suas elites dirigentes e suas classes hegemônicas) se ressentiria profundamente de qualquer interferência dos Estados vizinhos em sua política interna. Aliás, o “espantalho” de interferência (cubana, venezuelana, chinesa) é agitado periodicamente por certos grupos para advogar ações de política externa. É verdade que as classes hegemônicas brasileiras (e sua elite dirigente) não se ressentem de interferência do Império Americano na política e economia brasileira até por serem muitas vezes aliados.
Cabe à política externa estar atenta a qualquer iniciativa de interferência externa (que são permanentes) em seus processos políticos internos e de iniciativas “multilaterais” neste sentido para contra-arrestá-las.