Formation des instituteurs pour une autre éducation infantile

Ensaiando práticas de formação teórico-brincantes

, por TIRIBA Léa

Os Cursos de Especialização e Extensão em Educação Infantil da UNIRIO têm um compromisso fundamental que é não com um aprimoramento teórico individual; que não é com a capacitação teórica para a vida acadêmica dos docentes. É claro que reverterão também nestes sentidos. Mas o objetivo central é o de que contribuam para que as profissionais sejam capazes de fazer uma crítica ao que está posto e se potencializem para criar estratégias de transformação do universo em que estão inseridas. Isto é, para agir sobre a realidade em que atuam, qualificando o cotidiano de creches e pré-escolas em interação com as crianças; intervindo nas relações entre os membros da equipe, e desta com as famílias, com o entorno, com a cidade...

O compromisso é o de oferecer instrumentos teórico-metodológicos que contribuam efetivamente para que as professoras cursistas atuem na ponta, qualificando uma realidade escolar que, hoje – nos informam as pesquisas acadêmicas – é pobre em termos de interações e brincadeiras; realidade que está muito aquém do referencial conceitual e das definições legais que orientam o campo da Educação Infantil, expressas claramente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI, 2009). O que nos desafia é a materialização do que foi conquistado como direito, considerando que é preciso oferecer hoje, agora, aquilo que, antes de ser direito, é condição para uma existência plena: um cotidiano vivo, brincante, inteligente, aconchegante... Como reverter uma realidade em que as crianças permanecem por horas a fio em espaços fechados, obedecendo a um comando único que as obriga a realizarem todas as atividades num mesmo tempo, reproduzindo as rotinas dos quartéis, indiferentes à singularidades, ritmos, necessidades desejos individuais, grupais, culturais?

Orientados pela legislação vigente - em especial as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, instituídas pela Resolução CNE/CEB nº 5, de dezembro de 2009 – a equipe de professores do CEDEI-UNIRIO vem trabalhando na perspectiva de criar, no dia a dia dos Cursos - metodologias de formação que convidem às interações e brincadeiras, às artes em suas múltiplas dimensões, ao livre movimento dos corpos e ao desfrute da natureza.

O projeto de transformação da escola atual passa por uma revolução nas concepções de ser humano, de sociedade, de conhecimento, de educação e de escola que orientam o mundo ocidental. Uma revolução cultural que se processa simultaneamente em níveis macro e micro-políticos, pois a luta contra a captura não se situa apenas no plano da economia política, mas também no plano da economia subjetiva. Como dizem Guattari e RolniK (1986) p.45) “os afrontamentos sociais não são mais apenas da ordem econômica, eles se dão também entre diferentes maneiras pelas quais os indivíduos e grupos entendem viver a sua existência.(p.45).

De fato, a qualificação da vida, nos espaços de educação infantil, passa por um processo de mobilização democrática, conscientização e resistência a uma ordem econômica que subordina os interesses da população à ganância do capital. Não pode haver fatalismo, é preciso resistir, porque:

A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou um destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não uma momento de desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder. (Freire, 1997, p.142-143)

Mas a qualificação da vida, nos espaços de educação infantil, passa também por transformações micro-políticas, revoluções moleculares (Guattari, 1987) nas relações entre os que participam da produção cotidiana da existência.

Sem um exercício permanente de democracia não será possível produzir uma escola de qualidade, porque é exatamente o diálogo entre a diversidade de atores que possibilita a circulação e a livre disputa de diferenciadas visões de educação e de escola, condição sine qua non para a elaboração e a implementação de uma proposta realmente comprometida com a defesa radical das escolas de educação infantil enquanto espaços de vivência plena da infância.

Neste sentido, assumimos estratégias de construção coletivas de conhecimento, de vivência grupal, planejamento e avaliação de atividades. A proposta de construção coletiva é empoderadora porque mobiliza sujeitos educadores: chama cada um a explicitar as suas concepções de vida que fundamentam, porque como afirma Paulo Freire,(1997) a educação qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática. (p.32).

A construção coletiva é também um ato empoderador porque possibilita o exercício da linguagem. No mundo em que vivemos, saber é poder e “a opressão se dá em cima daqueles que não dominam a linguagem que faz a lei, que proclama os valores” (Garcia, 1983, p.36). Por isto, é importante o exercício do diálogo, é fundamental a participação de todos porque

sujeitos de cultura que somos, não aderimos mecanicamente à nada, não somos máquinas! Não implantamos propostas alheias! Pois uma proposta é sempre de quem a formula, ou, no máximo, daqueles que a re-formulam, re-criam. Se, de fato, abraçamos uma proposta é porque nos identificamos, é porque a ela nos incorporamos. Isto é, a ela agregamos nossas próprias concepções e sentimentos de educadores: nesta medida a reconstruímos, a transformamos. Uma proposta de trabalho que pretenda enraizar-se no cotidiano nasce da práxis cotidiana: não será implantada, mas plantada e cultivada por quem participa da produção do dia-a-dia escolar. (Gouvea e Tiriba, 1998:25)

Que propostas de atividades de formação nos permitiriam contribuir para que as professoras atuem assegurando “a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança” (BRASIL, DCNEI, Art8º, §1º, II)? Através de quais dinâmicas, de quais vivências concretas seria possível sensibilizar nossas professoras-cursistas no sentido de respeitarem o princípio estético “da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais”? (DCNEI, 2009, Art 6º, III)

Cientes de que a grande mídia, comprometida com a lógica do lucro, está interessada na disseminação de produtos culturais que não expressam a riqueza das inúmeras manifestações musicais, rítmicas e corporais; entendendo a escola como espaço de democratização da cultura, de respeito e valorização das expressões que são próprias do povo brasileiro; e, ainda, atentos aos objetivos do Curso de Especialização, no sentido de contribuir para que professoras/es “(...) alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade” (MEC,2010), decidimos, por exemplo, convidar nossas alunas a brincar, a dançar, a cantar, a experimentar, com seus corpos, diferenciados ritmos musicais brasileiros.

Este, inicialmente, não é um convite de fácil aceitação porque as relações que estabelecemos com nosso corpo estão inseridas e marcadas por uma visão de mundo em que a razão ocupa o centro da cena, em detrimento de outras dimensões humanas (Tiriba, 2005). Na modernidade, ao assumir a função de formar as novas gerações para a reprodução da sociedade industrial, a instituição escolar inspirou-se e fundamentou-se na mesma filosofia, na mesma metodologia cartesiana que possibilitou o desenvolvimento científico, econômico e político desta época: divorciou seres humanos e natureza, separou razão e emoção, corpo e mente, conhecimento e vida.

Atentos aos desafios de tessitura de um currículo em sintonia com as necessidades infantis, temos apostado em propostas pedagógicas que incluem os desejos do corpo, contatos íntimos e frequentes com a paisagem natural; propostas que conferem prazer, provocam alegrias, fazem emergir sorrisos, porque envolvem música, dança, movimentação ampla, trocas com o mundo material e espiritual em que estamos situados. Estas propostas não tem o sentido de busca de um conhecimento verdadeiro, querem apenas a ampliação dos horizontes do conhecimento para muito além dos limites impostos pelo caminho da razão. Apostando na educação em seu sentido amplo, buscamos referências em teóricos em que as dimensões afetiva, cognitiva e motora são consideradas como partes simultâneas de um único processo de desenvolvimento; em que a unidade entre corpo e mente, razão e emoção, afirma os humanos como seres energéticos, que adoecem quando são impossibilitados de relacionar-se com o que as afeta, quando não podem dar vazão aos sentimentos, aproximar-se do que os mobiliza, os impulsiona (Mota e Campos, 2010).

Estamos interessadas em inquirir e subverter uma ordem escolar que limita, oprime, ao submeter as crianças à espaços e rotinas que estão não contramão de seus impulsos biofílicos; isto é impulsos de conectar-se, de trocar energias com o que é vivo: terra, areia, água, vegetação, vento, sol, ar!!! (Silva e Tiriba, 2014)

Comprometidas com nossas funções de professores formadores dos profissionais que atuam na educação das crianças que têm entre 0 e 6 anos de idade, compreendemos que a qualificação do cotidiano passa pela qualificação das relações no nível das três ecologias: pessoal, social e ambiental; isto é, nos níveis das relações de cada um com si mesmo, das relações dos seres humanos entre si; e das relações com os outros seres e entes não humanos (Guattari, 1990).

A qualificação do dia a dia nos espaços escolares passa hoje por metodologias de trabalho educativo que não dicotomizem natureza e cultura, corpo e mente, razão e emoção, conhecimento e vida; que, consequentemente, esteja organizada com base em uma estrutura curricular transdisciplinar que articula e mescla processos de apropriação teórica com vivências de corpo inteiro, compondo o que temos denominado como metodologias teórico-brincantes. Isto é, teórico-dançantes-dramáticas-musicais-cantantes-poéticas- naturantes...

Assim, os cursos buscam práticas de formação que apostam nos movimentos da vida em sua potência, aquelas que envolvem o cantar, o dançar, a expressão de cada pessoa e do coletivo. Não querem o simples estudo das manifestações da cultura brasileira, mas a vivência dançante, cantante, expressiva de modos de viver do povo brasileiro, latino-americano e caribenho que alimentem movimentos de valorização e retomada de nossas tradições ancestrais.

As práticas de formação dos cursos apostam nos caminhos da arte, do corpo, da natureza como linhas de fuga que nos permitam acesso à filosofias e modos sentir e pensar que não se constituíram como cânones do modelo de desenvolvimento que molda o funcionamento do sistema capitalista integrado e, portanto, de nosso cotidiano, na vida, nas escolas. Na contramão dos divórcios típicos da modernidade, apoiam-se em referências teóricas e práticas, dizendo melhor, em visões-sentimentos que destoam, que indicam uma necessidade, um desejo de equilibrar razão e emoção, inconsciência e consciência, corpo e mente, cultura e natureza, na perspectiva de escavar e encontrar o que está “ausente”, mas que compõe numa espécie de subsolo do que se afirmou como hegemônico (Santos, 2001); e que, portanto, responde ao convite à expressão, porque está vivo, é desejo, é potência, não foi totalmente capturado pela lógica da objetividade, do explicativo.

Visando coerência entre nossos discursos de formadores e o que esperamos que as professores cursistas vivenciem com as crianças, criamos estratégias de trabalho que incluem acolhidas diárias, realizadas em espaços abertos, valorizando o momento de chegada através de trabalho corporal, respiração, encontro com o outro, contato com a natureza, brincadeiras. Merecem destaques também as oficinas dançantes, as aulas em museus, centros culturais, parques, etc. Da mesma forma as oficinas de produção textual e de artes inserindo-se nas demais “disciplinas”, atravessando-as.
Qual o sentido de passar tantos anos na escola? Preparar as crianças e jovens para o ingresso na sociedade de mercado? Ensiná-los a reproduzir um estilo de pensar e de viver a vida que é nefasto, que é insalubre? Se sonhamos a vida numa biosfera íntegra, habitada por seres humanos e não humanos íntegros, este não pode ser o sentido do trabalho educativo.

Para nós, é urgente a criação de práticas de formação que superem o modelo de escola que nasceu com a revolução industrial; é urgente pensar os objetivos da Educação em função de escolhas que envolvem novas formas de pensar a existência humana sobre a Terra; que envolvem, portanto, valores distintos daqueles que definem o atual contexto sócio-ambiental, determinado por uma história de dominação e controle, tanto sobre a natureza quanto sobre as crianças.

Pesquisar modos de organização do tempo e do espaço que, de fato, ofereçam condições para que, nos cursos de formação, professores e professoras constituam-se como sujeitos de seus corpos e de seus movimentos! Seguir as pistas de seus interesses, apostar em sua capacidade de fazer escolhas, movimento que exige escuta, exercícios de democracia no convívio entre educadores e educandos! Investir em caminhos de formação de professores que mobilizem afetos e desejos, que convidem à fruição das artes, que envolvam criação coletiva de seus projetos pedagógicos. Buscar inspiração nas tradições ancestrais, através de conexão com a natureza, com o cosmo, inaugurando um diálogo de novo tipo, que inclui seres e entes não humanos. Estes são caminhos que têm se mostrado frutíferos no sentido de contribuirmos para a formação de professoras e professores que estejam conectados consigo mesmos e comprometidos com a qualidade de vida, com a felicidade de adultos e crianças no cotidiano das escolas.