No Limite

Em defesa do planeta

, por IBASE , FRAGA Isabela , MAR Monike

Cúpula dos Povos na rio+20 prega a valorizacão dos bens comuns e debate alternativas à logica do mercado.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992, a Eco-92 ou Rio-92, foi um marco em diferentes sentidos. O maior encontro realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) até então aprovou documentos e tratados relevantes, como a Agenda 21, a Carta da Terra, as Convenção da Biodiversidade, do Clima e da Desertificação. A conferência legitimou o conceito de desenvolvimento sustentável e inaugurou o ciclo de conferências sociais da ONU. Além das reuniões de governantes e diplomatas, centenas de organizações e movimentos sociais promoveram durante a Eco-92 diferentes atividades no Aterro do Flamengo, no chamado Fórum Global. A partir dali, a sociedade civil mundial passou a ter pautas e encontros comuns.

A mesma ONU e o governo brasileiro organizam neste mês de junho no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O encontro não à toa é chamado Rio+20, pois lembra justamente os 20 anos da Rio-92. Contudo, se a conferência de 1992 foi marcada por algumas conquistas socioambientais e pela expectativa de uma maior valorização da natureza, a Rio+20 tem trazido como marca a desilusão e o retrocesso. Os principais acordos de 92 não geraram o resultado esperado e tampouco serão agora reavaliados. A ONU já avisou que a conferência deste ano não terá documentos abrangentes como os de 92. A pauta definida para o encontro oficial, no isolado Riocentro (zona oeste carioca), é a chamada “economia verde” e a governança do meio ambiente pela ONU.

Como em 1992, a sociedade civil global voltará a se reunir no Rio de Janeiro de forma paralela à conferência oficial. O objetivo é denunciar a atual crise do planeta e as suas causas, cobrar medidas em prol da justiça socioambiental e, principalmente, apresentar experiências, modos de vida, exemplos de que é possível habitar a Terra sem destruí-la e conviver nela de forma solidária. O cotidiano e as práticas de quilombolas, indígenas, agricultores, jovens, mulheres, negros, hackers, coletivos de economia solidária, grupos comunitários mostram que existem alternativas à busca do crescimento econômico a qualquer custo. Tudo isso fará parte da Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, evento que ocupará novamente o Aterro do Flamengo, de 15 a 23 de junho.

Mudanças estruturais

“Propomos mudanças estruturais”, resume Rubens Born, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), frente que integra o comitê organizador da Cúpula dos Povos. O lema do encontro é “contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns”. Para unir os movimentos e organizações sociais de todo o mundo, programar atividades e campanhas, a Cúpula contará com encontros específicos organizados por diferentes grupos e redes e as Assembleias dos Povos, as reuniões gerais. Participantes de movimentos sem organização formal, como o Occupy e a Primavera Árabe, também estarão no Rio. Além disso, o Fórum Mundial de Mídia Livre se realizará durante a Cúpula.

“Sabemos o futuro que queremos, e não é esse proposto pela Rio+20 oficial”, afirma Graciela Rodrigues, da Articulação de Mulheres Brasileiras. A carta de princípios da Cúpula prega a construção de um novo paradigma e chama a economia verde, tema central da Rio+20 oficial, de “falsa solução”. Mais ainda, “economia verde não é solução, é agravante”, define Ivo Lesbaupin, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e da comissão organizadora da Cúpula.

Economia verde

Economia verde simboliza talvez a principal diferença entre a conferência oficial e a Cúpula. A Cúpula dos Povos não quer ajustes no modelo atual, e sim outro modelo. O conceito de economia verde tem sido aplicado para, entre outras iniciativas, medidas de responsabilidade corporativa ambiental, incentivos oficiais a setores e empreendimentos que se comprometam a poluir menos, usos da bio e da nanotecnologia, ações mitigatórias como o mercado de créditos de carbono. Como argumenta Pablo Solón em entrevista nesta edição, economia verde faz referência a uma nova e grande frente de negócios.

Para Walter di Simoni, superintendente de Economia Verde do Estado do Rio de Janeiro, a ideia é “uma maneira de criar novas ferramentas de desenvolvimento sustentável”. O biofísico Jean Remy Guimarães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que, se seguido na prática, o conceito de economia verde pode ser algo bom. “A questão ecológica só passou a ser levada um pouco mais a sério quando se tentou atribuir valor aos serviços ambientais, porque até então pensávamos que era de graça. Tudo que puder haver de processo técnico, de novos indicadores e novas formas de calcular custos está valendo.”

A opinião de Pablo Solón, ex-embaixador da Bolívia nas Nações Unidas, vai de encontro ao do biofísico da UFRJ. Solón tem argumentado que o objetivo das propostas por trás da economia verde é reforçar o tratamento da natureza como capital, e, para ele, quem lucrará com isso é a iniciativa privada. "Estão buscando desenvolver em âmbito mundial um conjunto de indicadores e medidas para quantificar e valorizar economicamente as distintas funções da natureza e introduzi-las no mercado via mecanismos financeiros. Essa economia verde busca não somente a mercantilização da parte material da natureza, mas também dos seus processos e funções", escreveu o analista em recente artigo.

Rascunho Zero

A força do mercado se faz sentir no Rascunho Zero, o texto-base da Rio+20 oficial. Na opinião de Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos e do comitê organizador da Cúpula dos Povos, o documento “persiste” no conceito de crescimento econômico, que, segundo ela, é contraditório com a ideia de sustentabilidade ambiental. “O Rascunho Zero não enfrenta a questão do modelo de desenvolvimento, e sim propõe adequações no modelo já existente, sem mudanças estruturais, porque o setor privado, obviamente, não tem esse objetivo. Indústrias e empresas têm aí um papel fundamental como produtores de tecnologias verdes”, afirma ela, em entrevista ao site da Cúpula dos Povos (www.cupuladospovos.org.br).

“Em outras palavras, esse documento simboliza certa submissão dos Estados nacionais ao capital do setor privado, movimento iniciado justamente a partir dos Objetivos do Milênio [metas da ONU de desenvolvimento], no início dos anos 2000, quando a ONU se dobrou ao poder do capital e passou a atuar a partir de diretrizes ditadas pelos interesses dos países mais ricos e das instituições do sistema financeiro e do comércio mundial”, completou Iara.

Para Jean Pierre Leroy, a hora é de abandonar as ilusões que ainda restaram. Consultor da ONG Fase, Leroy participou de forma intensa da Rio-92 e do Fórum Global. Uma “comoção”, lembra ele. A história porém mudou. “Agora devemos deixar de lado as ilusões de que nossos governantes vão tomar medidas para o clima, de que as grandes corporações estão de fato comprometidas com o meio ambiente, de que a tecnologia é a salvação”, afirma.

Duas décadas depois, o alerta da então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, durante a Eco-92 continua mais urgente do que nunca: “O tempo é curto para corrigirmos os atuais padrões insustentáveis do desenvolvimento humano”.

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