Formation des instituteurs pour une autre éducation infantile

A dança como experiência de conexão com o mundo

, por JABOR Andrea

Há muitos anos, tenho uma pesquisa sobre o movimento. Acabei dando o nome de “Arquitetura do movimento”, que virou minha metodologia de trabalho, de ensino, de pensar, estruturas matrizes que norteiam o movimento. Como cheguei a isso? Eu fui estudar na Holanda, em uma faculdade (School for new dance development) para coreógrafos, onde havia uma metodologia de ensino chamada Body-Mind Centering, de Bonnie Bainbridge Cohen. Bonnie tinha uma pesquisa ampla sobre o movimento: ela estudava as interações entre os órgãos, os fluidos, as células, enfim, entre o corpo humano e a mente, o pensamento. Nessa escola aprendi novas formas de sentir e perceber o corpo e sua interação com o mundo.

No curso de Extensão em Educação Infantil, muitas professoras conversavam sobre como as aulas de pedagogia são “um mundo” de textos que não ajudam a conectar com o dia a dia das crianças na primeira infância. É preciso compreender que há uma sabedoria que é intuitiva na primeira infância, e que é fundamental. É pela experiência sensorial que a criança apreende o mundo. Hoje há muitas pesquisas sobre formação do cérebro. Tudo o que o bebê vai ser se forma entre 0 a 3 anos, e de 0 a 1 a criança vive toda a experiência de construção e organização do seu mundo através do corpo, da sensação e do movimento: ao sair do útero, precisa mamar, se arrastar, interagir, puxar, empurrar, engatilhar, ficar em pé até andar.

Desta forma, a experiência do movimento é necessária para os adultos que vão trabalhar com crianças. Se não têm essa vivência, como fica? Porque movimentar se aprende movimentando, dançar se aprende dançando, são coisas que não têm por onde passar senão pela experiência.

A ideia da fragmentação entre mente e corpo dificulta. Não aconteceria essa discussão se a gente não fosse (ocidental) tão “racional”. A gente se afastou muito da experiência concreta, das vivências, da unidade corpo-mente-espírito. Há uma pressa, uma urgência de conteúdo, que acaba atrapalhando, bloqueando a nossa experiência. O campo sensório não tem uma “meta”, um objetivo final, é o campo de experiência. A pessoa não pula com o objetivo de pular, pula porque está feliz, porque é prazeroso, porque quer pular!

Tudo o que eu penso sobre essas questões vem da minha trajetória, fui buscar o meu chão na dança, nela havia uma alegria, algo que me conectava com meu corpo. Então a primeira pesquisa que eu fiz aos 18 anos foi sobre a importância da dança na formação da criança quando estudei com o coreógrafo Luiz Mendonça em Brasília. Depois fui estudar Laban, sujeito fantástico que pensava as matrizes do movimento, o que está por trás, e aos 21 fui para Amsterdã estudar contato-improvisação, nova-dança e BMC, onde entendi outros campos de conhecimento. Quando voltei para o Brasil, trabalhei com vários coreógrafos, mas acabei largando tudo para fazer capoeira! Eu estava buscando uma movimentação que me trouxesse um sentido maior para minha dança, e percebi que a cultura popular, a capoeira, me oferecia uma raiz, um chão para me afirmar. Por conta dessa trajetória elaborei uma metodologia de ensino-aprendizagem para me conectar e dar um sentido à minha dança, similar à experiência vivida na primeira infância.

A dança, como a fala, é um direito nosso. A gente dança quando é criança e para de dançar depois que fica adulto, porque dançar não está mais no esquema da sociedade. Porém, em todas as culturas milenares, ela está presente! Porque na dança a pessoa se conecta com o sagrado, justamente se desconecta desse excesso de racionalidade, que funciona como um “comandante” durante a vida toda. As danças que são dançadas em roda, como o samba, são um exemplo de conexão com o sagrado. É maravilhoso quando se aprende isso! Quem não vive essa conexão como fica? Por isso é preciso viver a cultura popular com toda sua sabedoria! Viver a cultura popular é viver uma segunda infância, porque a pessoa se permite brincar, experimentar, conecta-se com a sua potência.

Nesse sentido, trabalhei com as professoras os padrões de desenvolvimento do movimento, que se formam de 0 a 1 ano, elas precisavam entender, sensorialmente, por onde e como as crianças vivenciam o corpo nessa fase. Em uma das aulas, uma professora falou de uma criança que não engatinhava, que só se arrastava, como um jacaré, disse ela. Naquele momento, estávamos todas no chão. Ao brincar com aquilo de ser jacaré, foi possível fazê-la reviver a cena, explorar o movimento, ampliar a percepção, Então na carinha dela foi possível ver “a ficha cair”, como dizendo: “Ah! então é isso!” Tentei mostrar o que está por trás do movimento, qual é a estrutura invisível que o sustenta e reconecta com um território perdido. Quando a pessoa faz essa conexão, compreende.

Quando a gente está dando aula, é necessário entender pelo corpo, a partir de coisas muito objetivas, como, por exemplo: o peso. Peso é algo muito concreto. Se a pessoa fala, por exemplo, a palavra Sim: Sim é para onde? Para frente! Ela não afirma algo e vai para trás com o corpo! É natural o corpo inclinar e ir para frente, a vivência do sim, da afirmação positiva, está no corpo! O afirmativo está no peso: eu vou! Eu quero! Isso é uma vivência de afirmação. Numa roda de samba ou capoeira, a pessoa entra, se afirma, vive o dentro e o fora, como na vida! Citando Lydia Hortélio: “é preciso brincar para afirmar a vida!”, é preciso levar o adulto e a criança a brincar, a experimentar com o corpo esta afirmação de vida.

No Curso de Extensão em Educação Infantil, trabalhei com elementos do “Desenvolvimento do movimento” do BMC, articulados com vivências da cultura popular e da cultura da infância. Costurei um pouco os três, porque podemos encontrá-los num brinquedo cantado. As cantigas de roda são um brinquedo cantado, Ciranda cirandinha é um brinquedo cantado em roda. Os brinquedos têm histórias, a pessoa entra, sai, dança, tira, pega, põe. A roda estrutura movimento, palavra e significado. Educa a sensibilidade da gente. O brincar é isso, a palavra como brinquedo, a pessoa vivenciar no corpo, junto ao som cantado, os significados.

  • Eu conheci o termo brinquedo cantado com Lydia Hortélio (pesquisadora da cultura da infância), e acho esse termo maravilhoso porque é de um esclarecimento absoluto! A pessoa entende que as cantigas não são só música, elas são brinquedos, algo para se vivenciar. Por exemplo, um pião: ele é um brinquedo, se a pessoa não brinca com ele, ele não é nada, como uma bola, ou um carrinho. Frente a eles, a pessoa entra em ação, faz uma coisa física que traz uma organização corporal, um sentido.

Assim, como o movimento, a palavra tem uma vivência que é anterior a ela, que é o som. Por isso o brinquedo cantado é tão importante, porque trabalha a sensibilidade sonora. Lydia diz: “a cantiga é o gesto de uma alma”. Os brinquedos cantados são pequenas metáforas sobre a vida: neles, a pessoa vai ter que escolher, ser escolhida ou vai ter que esperar, observar, vai avançar, entrar, sair, cair. O brinquedo cantado é vivência.

E é por isso que eu fui ao encontro da capoeira e do samba de roda aos 25 anos? Ela me dava algo que eu não sabia muito bem o que era, mas sentia um prazer que na dança contemporânea já não sentia mais. No jogo, na luta, a pessoa tem que se colocar na roda! Não é fácil ... ter voz, puxar o canto, tocar, afirmar-se, mas é maravilhoso porque é estruturante, dá a segurança para se afirmar na vida.

Os brinquedos cantados e a cultura popular nos trazem esse território de crescer com mais segurança, com afirmação e positividade. Então é importante oferecer a oportunidade para a pessoa reviver, reencontrar ou viver pela primeira vez, uma coisa que é estruturante para o ser humano, que oferece um sentido de si, um bem-estar, uma alegria. Porque a alegria tem uma conexão com a existência. A natureza é alegre! Isso tem que estar na experiência do professor! Precisamos brincar e vivenciar, não tem outro caminho!

Posso dizer que meu trabalho foi o de oferecer vivências, porque a formação daquelas professoras está voltada para algo mais acadêmico, no nível da leitura, da palavra. As vivências do corpo e as experiências sensíveis e sensório-motoras parece que estão muito diminuídas na grade curricular, e se a pessoa vai trabalhar com primeira infância, é o universo sensível e sensorial o mais importante. A primeira infância é puro movimento e sensação! Assim, o meu enfoque foi trazer o lúdico pela dança em que as pessoas pudessem se conectar consigo sem uma posição de julgamento.

No curso, trabalhei muito com o samba, que é uma referência popular de fácil acesso, que traz uma alegria imediata, as pessoas ficam com vontade de dançar, não é algo intelectual, a gente canta, dança, batuca, e aí se liberta, se expressa e brinca.

A forma com que a gente aprende tem um lado crítico, de comparação, de ideias. Por isso, trazer a cultura popular, o brincar, é lembrar que todo corpo é um corpo dançante, todo corpo é um corpo brincante, e nós fomos afastados dessas tradições. O Brasil é um país que dança, e esse Brasil que dança está sendo esquecido, na memória e na genética, a gente conhece muito pouco do Brasil. Fala-se, por exemplo, de Jongo, Cavalo Marinho, Carimbó. Ninguém sabe como é! Poucos já ouviram falar, mas provavelmente nunca dançaram. O universo da cultura popular é muito amplo, por exemplo, o Cavalo Marinho, de Pernambuco, são óperas populares muito complexas, envolvem muitos personagens e duram uma noite inteira! São um microcosmo! O contato com as manifestações populares desperta a curiosidade porque cultura popular é outro universo, convida a pensar outra forma de se organizar na sociedade e nas relações. Uma forma mais intuitiva, ligada com a sua cultura e história. Outra questão é que, na dança, o coletivo potencializa a experiência individual, produz um campo vibracional. Um exemplo é o carnaval, todo mundo vibra, o ritmo é muito organizador, potencializa, ajuda a pessoa a sair dos seus limites. A dança é muito libertadora porque tira a responsabilidade do individual, leva a vivenciar a coletividade, dá responsabilidade pelo coletivo. Então essas manifestações culturais deveriam ser parte da formação para a cidadania, na escola.

Para ter uma verdadeira troca com as crianças, a pessoa precisa conhecer a sua própria expressão, trabalhar o movimento, o mundo sensorial por onde a criança vai aprender, tem que ter formação nisso! Por exemplo, se a pessoa vai trabalhar com bebê, de um ano, no berçário, é preciso saber como ajudá-lo através do toque para dar suporte ao seu desenvolvimento. É importante colocar o bebê no chão na hora certa, ir para o chão com ele, dar suporte para sua organização presente e futura. Não dá para passar isso através de uma vivência que é apenas intelectual, a professora não compreende. Quando se trabalha com o toque, com as mãos, trabalha-se a informação de sensação para sensação, de movimento para movimento. Trabalha-se com a escuta! Isso é milenar, porque o bebê aprende assim, pelo contato, pela delicadeza, pela sensibilidade do toque na relação com o outro, principalmente com a mãe, e as células do corpo vão registrar essa informação, registrar as impressões do que ele vive. E de 0 a 3 anos é muita informação!

Precisamos lembrar que o processo vivido de 0 a 3 é determinante para a vida toda. A experiência informa sobre o que a pessoa faz, como se relaciona, como se sente. Quando a pessoa não tem uma noção física sensível (pois o bebê é unidade corpo-mente- espírito) do que o bebê está passando, é muito difícil valorizar esse tipo de transmissão de conhecimento. Por isso, a escola deve resgatar a dimensão kinestética, vivencial, sensível e brincante da cultura popular para oferecer janelas para as crianças, e criar possibilidades de transgredir a lógica escolar atual. Sentir e escutar o corpo nos leva para o simples, a felicidade do simples.

Algumas experiências importantes de educação sensível já estão acontecendo na América Latina e no mundo! Para uma criança a felicidade pode estar num balanço, pois lá, ela está inteira naquela experiência, no prazer e alegria daquela simplicidade que é balançar. Perdemos isso quando nos desconectamos do próprio corpo, mas é no corpo, na unidade da conexão corpo-mente-espírito, que está a afirmação da vida.

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Referência :

  • COHEN, Bonnie Bainbridge. Sensing Feeling and Action. The Experimental Anatomy of Body-Mind Centering. Northampton, Massachusetts: Contact Editions, 1993.

Rudolf von Laban foi um artista de dança e teórico, notável. Seu trabalho estabeleceu as bases para Análise do Movimento, Labanotation (Kinetography Laban), e outros desenvolvimentos mais específicos da dança e da evolução dos Estudos sobre Movimento. Ele é considerado uma das figuras mais importantes na história da dança.

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